A fundação da Casa Gucci
Os Gucci vieram da região de Florença, na Itália. Nossa história começa no século XIX, quando os pais de Guccio lutavam contra a falência do negócio de chapéus de palha da família. O ambicioso Guccio abandonou a miséria na qual se encontravam e foi para Londres. Lá, ele trabalhou no Hotel Savoy. Reza a lenda que foi naquele local que a semente da Gucci foi plantada. Guccio via as malas dos hóspedes e ficou impressionado com a qualidade desses produtos, especialmente os de couro, já que ele havia tido contato com esse material em sua juventude na Florença.
Quando voltou a Florença, Guccio se apaixonou por Aida Calvelli, que dera à luz três garotos, que seriam o futuro da Gucci: Aldo, Vasco e Rodolfo. Também tiveram uma filha, Grimalda, a quem os direitos da Gucci foram negados posteriormente pelo fato de ela ser mulher. Nesse contexto, o patriarca começou a ter um contato mais profundo com o couro, material que dominaria boa parte dos produtos Gucci. Depois da Primeira Guerra Mundial, Guccio trabalhou na Franzi, uma empresa de artefatos de couro. Foi lá que aprendeu diversas técnicas de secagem e manejo do couro. Com tanto talento, chegou a ser promovido na empresa, mas ele queria mais.
A atriz Grace Kelly saindo da loja da Gucci em Nova York |
Depois de acumular muito conhecimento sobre artigos de luxo e em couro por onde passou, Guccio fundou a primeira companhia, Valigeria Gucci, nos anos 1920. A ideia de Guccio era atingir os mesmos clientes do Hotel Savoy, gente de bom gosto que não hesitaria em pagar valores exorbitantes por uma mala de couro fabricada com esmero. O que diferenciava Guccio de outros concorrentes era o fato de que ele construíra uma oficina atrás da loja, assim os produtos com defeito podiam ser consertados pelos próprios artesãos locais. Foi assim que, aos poucos, a reputação da Gucci foi se firmando em Florença.
A virada no negócio dos Gucci acontece quando Guccio passa a produzir artigos originais para a loja. Até aquele momento, ele importava e revendia as peças, e por isso a criação de uma oficina. Ao estimular os artesãos a criarem bolsas de couro, pastas de camurça, Guccio estava, de certa forma, replicando o que havia visto no Hotel Savoy. Durante os anos 1920, a família começou a adquirir as primeiras lojas em lugares célebres da Itália.
À medida que os filhos iam crescendo, era tradição que começassem a trabalhar nos negócios da família. Começavam de baixo e iam progredindo, bem ao estilo italiano, em que tinham de batalhar para ter as coisas. Guccio não queria que seus filhos não percebessem o valor do dinheiro. Dos três filhos, quem sempre se destacou pela aptidão e dedicação aos negócios foi Aldo Gucci. Ele começou atendendo na loja da família e já era evidente o charme e traquejo com as mulheres. Além disso, Aldo tinha uma lábia incrível, algo que podemos perceber pelas poucas entrevistas dele que encontramos disponíveis na internet.
Rodolfo Gucci |
Já Rodolfo Gucci enveredou para o lado oposto: a atuação. Não tinha o mesmo tato de Aldo para atender os clientes no balcão. Um dia, Guccio mandou Rodolfo entregar uma encomenda em Roma, e o cliente em questão era o diretor de cinema Mario Camerini. A partir dali, começava a carreira de Maurizio D'Ancora, nome artístico escolhido por Rodolfo. A família, principalmente Guccio, foi contra, mas ele construiu uma carreira bem importante como ator. Em 1948, nascia Maurizio, que recebera o mesmo nome artístico de Rodolfo. Uma curiosidade é que Rodolfo tinha a ideia megalomaníaca de fazer um filme (o que ele conseguiu) contando a história da família a Maurizio. A mãe de Maurizio, Alessandra Winklehaussen, morrera muito cedo, e Rodolfo foi juntando material para registrar a história de sua família e da esposa para o filho.
Assim, quem assumiu o controle dos negócios foram Aldo e Vasco. Desde cedo, os filhos de Aldo trabalharam nas lojas Gucci, principalmente Paolo, com quem a família teria os maiores conflitos em torno do nome Gucci. Nos anos 1950 e 1960, a Gucci vive seu apogeu. Um exemplo disso é a famosa bolsa de bambu, feita artesanalmente pela marca, que se tornou um item de luxo. Ela era feita a mão, e o bambu dobrado no fogo por artesãos. Toda mulher queria aquela bolsa. Estrelas de cinema também usavam a marca. Um dos casos mais famosos é o de Grace Kelly, para quem Rodolfo criou, junto com o artista Vittorio Accornero, uma echarpe, em 1966. A criação desse presente personalizado fez com que a Gucci começasse investir em seda.
Grace Kelly usando o famoso lenço da Gucci, criado especialmente para ela |
Porém, quando chegou aos anos 1970, a marca Gucci já estava desgastada. Aldo havia criado as primeiras lojas fora da Itália, e assim a Gucci passou a aumentar seu rol de produtos. Essa se provou uma jogada equivocada, já que facilitou a falsificação dos produtos. De acordo com Lilian Pacce, colunista de moda, a Gucci virou sinônimo de algo cafona, produtos de free shop que os turistas traziam de lembrancinha para parentes. Era necessário revitalizar a marca e trazer o glamour dela de volta. Foi aí que começaram as brigas entre Maurizio, Paolo e Aldo.
Em 1983, com a morte de Rodolfo, o caldo entornaria para os Gucci. Maurizio, que até aquele momento não participava dos negócios da família, herdou 50% das ações da empresa. Isso foi motivo de revolta para Aldo e seus filhos, uma vez que eles se matavam pela Gucci e não tinham a metade como Maurizio. A luta pelos 50% das ações foi muito noticiada na imprensa, uma vez que Maurizio fora acusado de falsificar a assinatura do pai para ficar com as ações. Ele seria absolvido das acusações, mas até hoje não se sabe se foi realmente verdade. Mas não é só isso, pois outros reveses ainda piores aguardavam os Gucci: a traição de Paolo e a prisão de Aldo.
Depois de herdar as ações, Maurizio queria revitalizar a Gucci, mas para isso precisava tirar Aldo da presidência. Então, ele atacou em duas frentes. Primeiro, aliou-se a Paolo, que sempre tivera diferenças com o pai e a família e detinha 3% das ações, para deter o controle acionário da Gucci. Em uma reunião, no melhor estilo O Poderoso Chefão, Maurizio anunciou que detinha o controle da empresa. Aldo não teria maioria em nenhuma decisão. Depois, foi a vez da prisão de Aldo. O italiano amava os EUA e fez seu lar na terra do Tio Sam, mas devia impostos até as calças. Maurizio se aproveitou disso, denunciou o tio à Receita Federal, o que resultou na prisão dele. Assim terminava a era Aldo, o homem que levou a Gucci a ter o peso da qual desfruta hoje em dia. Começava a era Maurizio, mais moderna, mas nem por isso menos turbulenta que a anterior.
Patrizia e Maurizio: o furor de um amor proibido
A história de amor entre Patrizia e Maurizio começa bem antes dele assumir o controle da Gucci. O cerne dela talvez seja a relação turbulenta entre pai e filho. Muito antes de Patrizia entrar na vida de Maurizio, o rapaz se sentia controlado pelo pai. Como Alessandra morrera muito cedo, o filho era superprotegido. Desde jovem, Maurizio queria sair do controle de Rodolfo e foi com Patrizia que, indiretemente, ele iniciou sua revolução.
Patrizia e Maurizio se conheceram em 1970, na festa de debutante de Vittoria Orlando. Ela aconteceu em um apartamento da família, na Via dei Giardini, uma zona de ricos empresários em Milão. Apesar de ser um rapaz cobiçado, Maurizio era desajeitado. Naquela festa, que mudaria para sempre os rumos de sua vida, ele fez a primeira revolução silenciosa para um jovem tímido: foi conversar com ela. Naquela época, Patrizia lembrava muito Elizabeth Taylor e era considerada uma jovem de tremenda beleza. Tinha olhos violeta, como os da atriz, que hipnotizavam os rapazes.
Patrizia Reggiani nos anos 80 |
Patrizia não tinha um sobrenome de berço como Maurizio. Ela era filha de Silvana Barbieri, uma mulher que crescera ajudando em um restaurante em Modena, na Emilia-Romagna. O sobrenome Reggiani veio do pai, Fernando Reggiani, que iniciara o relacionamento com a mãe como amante e terminara adotando Patrizia, porque Silvana se casara com outro para dar um nome à filha. Patrizia e o pai se davam muito bem, e desde sempre ela fora um pouco transgressora, questionadora e travessa. De acordo com Sara Gay Forden, Patrizia nunca escondeu que queria se casar com um homem rico. Em Maurizio ela viu essa oportunidade.
No entanto, o casal teria que enfrentar a resistência de Rodolfo. Quando Maurizio anunciou que queria se casar com Patrizia, o pai não gostou. Ele já tinha mandado investigar a moça e não gostara nada do que havia descoberto. Rodolfo acreditava que Patrizia era uma arrivista, interessada apenas na fortuna de Maurizio e no nome Gucci. Como não estava disposto a abrir mão do casamento, Maurizio desentendeu-se com o pai, o que fez com que parassem se de falar. Maurizio havia sido deserdado por Rodolfo.
Foi assim que Maurizio pediu abrigo na casa dos Reggiani. Ele passou a morar com os sogros e a trabalhar arduamente. Aos poucos, Maurizio foi conquistando a confiança de Fernando. O casamento, naquele momento, estava pausado, pois Fernando achava o casal muito jovem para aquele tipo de decisão. Porém, acabou convencido e deu a bênção para a união. Por outro lado, Rodolfo estava relutante e chegou até a pedir ao cardeal de Milão, Giovanni Colombo, para impedir a cerimônia. Foi em vão: eles se casaram em 28 de outubro de 1972, sem que nenhum Gucci comparecesse à celebração.
O casamento entre Maurizio e Patrizia |
Quem reconciliou pai e filho, ironicamente, foi Aldo. Ele já estava de olho em Maurizio, surpreso por sua insistência em enfrentar o pai. Naquela época, Aldo procurava um sucessor nos negócios, alguém que pudesse ir trabalhar com ele em Nova York, expandindo a marca mundo afora. Maurizio parecia o tipo ideal. Aldo intercedeu a favor de Maurizio, convencendo o irmão a se reconciliar com o filho. Os dois não se falavam há dois anos.
"Não seja idiota! Se você não trouxer Maurizio de volta à família, eu estou dizendo, você se tornará um velho solitário e amargo."
Quando Maurizio voltou ao círculo social de sua família, ele estava no céu. Além de o pai estar tentando agradar o casal, presenteando-os com imóveis, Maurizio e Patrizia se mudaram para Nova York para que o jovem ajudasse Aldo a expandir a Gucci nos EUA. Foi um tempo muito feliz para o casal, que teve duas filhas, Allegra e Alessandra. A partir da metade dos anos 1980, o casal enfrentaria crises que resultariam na separação e no começo do planejamento do assassinato de Maurizio por Patrizia.
Genealogia de um crime
Paola Franchi e Maurizio |
"Maurizio, eu não vou lhe dar um minuto de paz. Não invente desculpas, dizendo que eles não deixaram você me visitar... minhas queridinhas correram o risco de perder a mãe e minha mãe correu o risco de perder a única filha. Você esperava... Você tentou me aniquilar, mas não pôde. Agora eu vi a cara da morte... Você passeia de Ferrari, que comprou secretamente porque queria aparentar que não tinha dinheiro, enquanto aqui em casa os sofás brancos estão beges, o assoalho tem um rombo, os carpetes precisam ser trocados e as paredes precisam de restauração [...] Mas não há dinheiro! Maurizio, o inferno para você ainda vai chegar."
Patrizia e as filhas durante o velório de Maurizio Gucci |
"Algumas pessoas morrem na cama. Algumas pessoas morrem na rua, mas outras têm o privilégio de serem assassinadas."
"Vocês vieram por causa do meu marido, não é?"
O dia da prisão de Patrizia |
Referências
- Casa Gucci: uma história de glamour, cobiça, loucura e morte (Sara Gay Forden)
- 70 Coisas que Sei Sobre (House of) Gucci, o filme com Lady Gaga! (Lilian Pacce)
- Fashion Victim: The Last of Guccis (Documentário)
- Lady Gucci: la storia di Patrizia Reggiani (Discovery+)
- Gucci's 'Black Widow' in suicide attempt (CNN)
Arte em destaque: Mia Sodré
Gostei muito da matéria. Li tudinho. Obrigada
ResponderExcluirNão conhecia a história antes de ver as notícias sobre o filme. Muito bom o texto!
ResponderExcluirNada sabia sobre os Guci, apenas o luxo da marca.
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