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A Viagem: a atemporalidade de Ivani Ribeiro


Hoje irá ao ar o último capítulo da telenovela A Viagem, que está sendo reprisada pelo Canal Viva. Originalmente exibida em 1994 pela Rede Globo, a obra já está na sua quarta reapresentação, contando duas pelo Vale a pena ver de novo (1997 e 2006) e uma outra pelo próprio Viva (2014/2015). Se levarmos em conta que a trama é um remake homônimo de uma novela da TV Tupi, transmitida em 1975 e reprisada em 1980, podemos considerar que essa mesma história já foi contada sete vezes na televisão brasileira. Como sempre atingiu o sucesso de audiência e engajamento esperado, a novela se tornou uma espécie de coringa, uma aposta segura do Grupo Globo para qualquer momento, para qualquer década. Mas quais seriam as razões que fizeram de A Viagem uma novela tão marcante, e, até certo ponto, atemporal?

O projeto e a sinopse 

Escrita por Ivani Ribeiro, com direção de Edison Braga, a versão de 1975 foi inspirada em dois livros psicografados por Chico Xavier e narrados pelo espírito André Luiz, Nosso Lar e E a vida continua..., primeira e última obras, respectivamente, da coleção A Vida no Mundo Espiritual, publicada pelo médium entre 1944 e 1968. A ideia inicial da autora era adaptar um dos livros para a televisão, porém, Chico Xavier a orientou que escrevesse uma história nova, tratando a temática da vida após a morte, calcada na doutrina de Allan Kardec. Para o desenvolvimento do trabalho, Ivani contou com a consultoria do professor Herculano Pires, um dos principais nomes do estudo do espiritismo no Brasil. A colaboração de Pires foi primordial para uma concepção legítima dos elementos espíritas incluídos na novela, que chegou inclusive a ser elogiada pelo próprio Chico Xavier. Para reforçar a espiritualidade da trama, alguns componentes foram inseridos paralelamente ao drama principal, como a "telepatia" entre irmãs, um personagem que convive com um "protetor" espiritual, sessões espíritas, terapia de regressão, dentre outros. O ceticismo também foi um debate constante e importante para o desenrolar dos acontecimentos da novela.

A história central de A Viagem se inicia quando Alexandre (Ewerton de Castro, em 75 – Guilherme Fontes, em 94), jovem rebelde de classe média alta, ao tentar efetuar um roubo, é surpreendido e acaba cometendo um assassinato. Na fuga, pede ajuda ao irmão Raul (Adriano Reys, em 75 – Miguel Falabella, em 94) e ao cunhado Téo (Tony Ramos, em 75 – Maurício Mattar, em 94), que lhe negam auxílio e o entregam para a polícia. Diná (Eva Wilma, em 75 – Christiane Torloni, em 94), irmã de Alexandre, disposta a fazer tudo para tirá-lo da prisão, procura o brilhante advogado criminalista César Jordão (Altair Lima, em 75 – Antônio Fagundes, em 94, agora chamado de Otávio), único capaz de conquistar a absolvição. Para a surpresa dela, o jurista era um grande amigo da vítima e, além de se negar a assumir o caso, ainda promete fazer o que for possível para conseguir a condenação do réu, o que realmente ocorre. Jurando vingança (até mesmo para depois da morte) a Raul, Téo e César (Otávio), Alexandre se mata na prisão. Atormentado pelo ódio e pelo sofrimento do “Vale das Sombras” (“Vale dos Suicidas”), o espírito do jovem retorna para concluir o seu projeto de destruir seus inimigos.

Diná (Christiane Torloni) e Alexandre (Guilherme Fontes) na versão de 1994 de A Viagem

As inspirações 

Nosso Lar, obra de Chico Xavier, apesar de ser um romance, funciona quase como uma doutrina didática. Por ser o primeiro livro da coleção, ele expõe minuciosamente cada detalhe do plano espiritual, seus conceitos, estruturas e elementos. O espírito André Luiz narra toda a sua experiência após a desencarnação, a sensação inicial de estar fazendo uma viagem permanente, a passagem pelo martírio do Umbral, o socorro, e o encaminhamento à colônia Nosso Lar, onde recebe o aprendizado sobre a sua nova realidade.

O autor espiritual, que era médico na vida terrena, relata que, a princípio, habitava um lugar escuro, sujo, não conseguia dormir, nem parar de chorar. Sentia fome e só tinha lama para se alimentar. Era constantemente assombrado por criaturas animalescas e monstruosas, que o zombavam, faziam comentários maldosos, o ofendiam e o chamavam de suicida, algo que ele não compreendia, tendo em vista ter morrido em uma cirurgia do intestino. As lembranças de sua vida cheia de luxos e privilégios também o consumiam. André Luiz experimentou esse horror por oito anos e, somente depois de deixa-lo, foi devidamente conscientizado sobre local onde estava – o Umbral.

"O Umbral – continuou ele solícito – começa na crosta terrestre. É a zona obscura de quantos no mundo não se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados, a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indecisão ou no pântano dos erros numerosos. Quando o espírito reencarna, promete cumprir o programa de serviços do Pai; entretanto, ao recapitular experiências no planeta, é muito difícil faze-lo, para só procurar o que lhe satisfaça ao egoísmo. Assim é que mantidos são o mesmo ódio aos adversários e a mesma paixão pelos amigos. Mas, nem o ódio é ajustiça, nem a paixão é amor. Tudo o que excede, sem aproveitamento, prejudica a economia da vida. Pois bem: todas as multidões de desequilibrados permanecem nas regiões nevoentas, que se seguem aos fluídos carnais. O dever cumprido é uma porta que atravessamos no Infinito, rumo ao continente sagrado da união com o Senhor. É natural, portanto, que o homem esquivo à obrigação justa, tenha essa benção indefinidamente adiada."

Avesso a religiões e à espiritualidade, André Luiz somente recorreu às orações quando atingiu o limite de suas forças. Em resposta às súplicas realizadas, um benfeitor foi enviado para resgata-lo e conduzi-lo ao Nosso Lar.

Ivani Ribeiro se baseou no relato de André Luiz sobre o Umbral para criar a jornada de Alexandre, um homem que se afastou por completo de sua missão ao reencarnar, tirou a própria vida embebido de ódio, e, sem conseguir se livrar dos sentimentos terrenos malignos e se desconectar das pessoas que ficaram, se distancia da plenitude espiritual, impactando diretamente nas vidas de seus desafetos. Na novela, Alexandre realmente é um suicida. No livro, André Luiz se enquadra no conceito de “suicida inconsciente”, uma pessoa que, durante toda a existência mundana, descuida do corpo, da saúde, da mente, e, com suas ações destrutivas reiteradas, acaba minando a própria vida, ocasionando a sua morte.

"Vejamos a zona intestinal – exclamou. – A oclusão derivada de elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis. A moléstia talvez não assumisse características tão graves, se o seu procedimento mental no planeta estivesse enquadrado nos princípios da fraternidade e da temperança. Entretanto, seu modo especial de conviver, muita vez exasperado e sombrio, captava destruidoras vibrações naqueles que o ouviam. Nunca imaginou que a cólera fosse manancial de forças negativas para nós mesmos? A ausência de autodomínio, a inadvertência no trato com os semelhantes, aos quais muitas vezes ofendeu sem refletir, conduziram-no frequentemente à esfera dos seres doentes e inferiores. Tal circunstância agravou, de muito, o seu estado físico."

O Nosso Lar é uma colônia espiritual, fundada no século XVI por portugueses desencarnados no Brasil, localizada sobre a região do Rio de Janeiro, local de cura dos recém-desencarnados e de aprendizado, visando a preparação para uma nova reencarnação. André Luiz faz referência ao lugar como uma versão melhorada da Terra, com árvores fartas de frutos, cores vivas e harmônicas, belas aves e animais domésticos, edifícios com jardins floridos, transporte aéreo, fontes luminosas, praças, bosques e rios. Ele ainda descreve como são as “regras” dessa comunidade, a divisão em Ministérios, a existência de uma Governadoria, de corais de música, médicos espirituais, grupos de oração, dentre tantas outras peculiaridades, algumas delas inéditas no estudo do espiritismo.

O arco de aprendizagem de André Luiz pelo Nosso Lar é representado na novela pelo protagonista, César Jordão (Otávio). Morto por influência direta de Alexandre, ele chega à colônia e é orientado por benfeitores, que o auxiliam no entendimento do novo mundo e no desapego à vida antiga. No último mês da trama, Diná também desencarna, e o casal se encontra novamente, para aprender, evoluir e lutar juntos contra a influência negativa de Alexandre na Terra. A jornada dos dois na colônia conversa especialmente com o romance E a vida continua..., único dos treze livros da coleção que não é narrado em primeira pessoa por André Luiz. Diná, inicialmente, não sabe que está morta. Após receber a informação, não acredita. Após acreditar, não aceita e se revolta. O amor de César (Otávio) e o auxílio dos espíritos benfeitores são essenciais para a compreensão da protagonista sobre sua nova realidade e suas novas missões. Em determinado momento da trama, descobrimos que a relação conflituosa entre Diná, César (Otávio) e Alexandre é oriunda de outras encarnações.

“Evelina, tanto quanto o amigo, já se familiarizava com os banhos terapêuticos e ambos já haviam entrado em contato com a senhora Tamburini, que Alzira indicava como sendo a pessoa mãos culta de suas relações. Essa prestimosa criatura lhes hipotecara a promessa de conduzi-los, tão logo possível, ao Instituto de Ciências do Espírito, que funcionava ali mesmo, num dos recantos do grande jardim. (...) No tête-a-tête quase diário, solicitava-lhes maior reflexão em torno da matéria, a escalonar-se em diversos graus de condensação, e mais amplo exame das percepções da mente, a se alterarem, conforme os princípios de relatividade. (...) Que se detivessem também a perquirir naquele novo clima de vida as ocorrências telepáticas, a se erigirem, ali, em fenômeno corriqueiro, apesar de não prescindirem da linguagem articulada. (...) Acolhiam satisfeitos as judiciosas apreciações da senhora Tamburini, que aceitava plenamente a convicção de serem criaturas desencarnadas em algum departamento do Mundo Espiritual; entretanto, não obstante o respeito que lhes mereciam, não logravam admiti-las por verdade inconteste.”

A versão original 

A versão original da novela foi exibida no horário das 20h, e ficou marcada pela sua temática densa, pesada, composta por cenas perturbadoras, que flertavam com a estética do terror e seduziam os espectadores. O fascínio pelo desconhecido e a curiosidade em relação ao espiritismo foram fatores primordiais para o sucesso da trama. Destaca-se que, quando falamos de sucesso, não nos referimos apenas a pontos de audiência, mas, principalmente, ao impacto no público, ao burburinho nas ruas, ao aumento estrondoso da procura pelo estudo da doutrina e à presença inapagável na memória dos noveleiros por décadas. A comoção em torno do folhetim foi tanta que provocou revolta de membros da Igreja Católica, que chegaram a pregar o boicote da novela a seus fiéis.


Cartaz da primeira versão da novela, de 1975

Além da temática atraente, a novela contou com um elenco incrível, de primeira categoria, com destaque para as atuações de Eva Wilma, Irene Ravache (Estela) e Rolando Boldrin (Dr. Alberto). É importante ressaltar que, em 1975, a Tupi já não andava bem das pernas, e viria a fechar as portas cinco anos depois. Assim sendo, A Viagem pode ser considerada o último grande sucesso, o último suspiro da saudosa emissora, responsável por novelas inesquecíveis da dramaturgia nacional, dentre elas Mulheres de Areia (1973), A Barba-Azul (1974) e O Profeta (1977), todas que também viriam a ter remake na Rede Globo, todas de criação de Ivani Ribeiro.

A autora 

É impossível contar a história da teledramaturgia brasileira sem dispensar um bom tempo para falar de Ivani Ribeiro. Muitos dos elementos que o público brasileiro aprendeu a admirar e com os quais aceitou dividir a convivência diária nas telenovelas foram desenvolvidos e aperfeiçoados pela “dama das emoções”. Ivani iniciou sua carreira nas radionovelas, como atriz e autora, na década de 30, se notabilizando pelo pioneirismo e pelo enfrentamento de uma sociedade extremamente machista, que não permitia a inserção das mulheres em trabalhos que não fossem domésticos, muito menos em ramos intelectuais e de comunicação, como os da escritora.

Ivani migrou para a televisão nos anos 50, quando criou sua primeira novela, A Muralha (1954), para a TV Record. Contratada pela também extinta TV Excelsior, escreveu sua primeira novela diária em 1963, Corações em Conflito, e emendou, somente no fim daquela década, o número absurdo de treze novelas consecutivas lançadas. Aliás, o ritmo de produção e a dedicação profunda ao trabalho sempre foram características marcantes da novelista, que gostava de variar bastante os temas e os gêneros de seus trabalhos, apesar de demonstrar uma predileção à criação de histórias de amor e de família, à concepção de personagens femininas fortes e geniosas e à utilização recorrente dos elementos do melodrama em seu texto.

Ivani Ribeiro
Na Rede Globo, Ivani se especializou em recontar as suas próprias histórias (seis ao todo), tendo escrito apenas uma trama inédita para a emissora, Final Feliz (1983). Seu último trabalho foi justamente o remake de A Viagem. Ivani Ribeiro fez a viagem em 1995, menos de um ano após o término da novela, vítima de insuficiência renal, decorrente de complicações do diabetes, mas deixou pronta a sinopse de Caminho dos Ventos, folhetim que foi produzido sob o título de Quem é você? (1996), escrita inicialmente pela sua colaboradora Solange Castro Neves, e, posteriormente, por Lauro César Muniz, além do projeto de Sarau, uma adaptação de Machado de Assis, que jamais chegou a ser realizado.

O remake 

Em 1994, incomodada com os resultados de Olho no Olho (1993) e enrolada com os preparativos da substituta Vira-Lata (1996), a Rede Globo decidiu apostar em um drama adulto e sério para o horário das 19h. Tendo em vista o sucesso que Mulheres de Areia (1993) havia feito no ano anterior, a escolhida foi o remake de A Viagem, repetindo a parceria entre Ivani Ribeiro e o diretor Wolf Maya. Com todos os contratempos, o período compreendido entre a decisão da emissora e o início da novela foi de apenas 20 dias, uma produção em tempo recorde para os padrões da Globo. O fato de que as cenas no Umbral, bem como aquelas que necessitavam de efeitos especiais, só se iniciavam após o falecimento de Alexandre, permitiu que a concepção do projeto fosse extremamente ágil, e ele conseguisse ir ao ar no prazo estipulado.

A história da novela não sofreu alterações significativas de uma versão para a outra, apenas alguns pequenos detalhes foram modificados. A mudança mais importante, com certeza, foi no tom empreendido pela nova novela. Quem foi criança no início dos anos 90 possivelmente tem recordações assustadoras do ator Guilherme Fontes, de suas aparições na Terra e de seu sofrimento eterno no Umbral. Essa lembrança de que A Viagem era uma novela de “terror” criou uma falsa memória no público de que ela era transmitida tarde da noite. Curiosamente, a trama ia ao ar às 19h, horário geralmente reservado a comédias e enredos mais jovens e ágeis. Exatamente pela questão do horário e pelas normas vigentes à época, A Viagem precisou aliviar um pouco a sua densidade, em relação ao produto original.

Assim como em 75, as vendas de livros espíritas alcançaram níveis inéditos. A médium Zíbia Gasparetto, que dirigia o Centro Espírita Os Caminheiros na época, afirmou que o local costumava receber entre três e cinco mil visitantes por semana antes da novela. Durante a transmissão, o número subiu para sete mil visitas semanais. O sucesso estrondoso junto ao público também pôde ser verificado na comercialização da trilha sonora internacional da novela, lançada pela Som Livre, que atingiu a marca de 600 mil cópias, razão pela qual foi relançada em 2006, por ocasião da reprise no Vale a Pena Ver de Novo, única oportunidade em que isso aconteceu na Globo.

Aliás, a trilha nacional também era extremamente marcante e integrada ao todo, com canções inesquecíveis, como Esqueça, de Fábio Júnior; Quando chove, de Patrícia Marx; Caminhos de Sol, da banda Yahoo; Poeira de Estrelas, de Fafá de Belém; Febre, de Lulu Santos; Mais uma de amor, da banda Blitz; Beijo Partido, de Milton Nascimento; Cada um no seu cada um; de Zeca Pagodinho e Ivan Milanez; além, obviamente, do clássico maravilhoso de Aldir Blanc e Cleberson Horsth, A Viagem, imortalizado na voz de Serginho Herval, o estupendo baterista/vocalista do Roupa Nova.

Há quem considere A Viagem como a novela global mais importante da década de 90. Talvez ela não seja a mais importante de todas, todavia, é, sem dúvidas, a mais representativa do horário das 19h. Mas, como estaria A Viagem hoje, 27 anos depois?

A novela voltou ao ar no final de 2020, durante a pandemia da COVID-19, e mais uma vez alcançou índices incríveis de audiência, levando o Canal Viva ao primeiro lugar dentre as emissoras de TV fechada. Revisitando a trama, é possível determinar que, além do conceito de "novela espírita", A Viagem é uma grande história de amor e de dramas familiares.

Os pontos que mais chamam a atenção positivamente são as cenas de obsessão de Alexandre, manipulando Téo, Tato (Felipe Martins) e Dona Guiomar (Laura Cardoso), que funcionam bem até hoje, e as imagens do “Vale dos Suicidas”, que ainda impressionam pela qualidade e pela caprichada estética teatralizada. Por outro lado, alguns detalhes incomodam bastante ao rever a trama hoje, como a falta de coerência no comportamento de alguns personagens e o excesso de falhas de continuidade dos capítulos. Tanto tempo depois, fica complicado identificar se esses problemas foram decorrentes do roteiro, da direção ou da montagem, ainda mais por se tratar de uma obra concebida por grandes especialistas em suas funções.

Diná (Christiane Torloni) e Otávio (Antônio Fagundes) na versão de 1994 de A Viagem

O núcleo cômico da novela, representado basicamente pela pensão da Dona Cininha (Nair Bello), é também um tópico que merece ser destacado, separando em dois momentos distintos. Inicialmente, o local parece ser um grande depósito de personagens sem função alguma para a história. Inclusive, as cenas da banda ensaiando no porão entram fácil no rol das coisas mais toscas já vistas em telenovelas. Acertadamente, por volta da metade da novela, uma reviravolta acontece na pensão e a qualidade do núcleo sobe substancialmente. A banda acaba, seus integrantes desaparecem, Geraldão (Cláudio Mamberti), Ednéa (Mara Manzan) e Naná (Keila Bueno) perdem espaço, e é criado uma espécie de quadrado amoroso composto por Dona Cininha, Dona Fátima (Lolita Rodrigues), Seu Tibério (Ary Fontoura) e Agenor (John Herbert). A troca entre os quatro monstros da televisão brasileira é hilária, rendendo cenas impagáveis, que aliviam muito o clima imposto pelos eixos dramáticos.

Além do alívio cômico, outro ponto de equilíbrio para todas as narrativas é Dr. Alberto (Cláudio Cavalcanti), uma figura que transita livremente pelos ambientes, cuidando e orientando os demais, nas mais diversas adversidades. Médico e médium, ele funciona como um pilar de sustentação para a mente e para a alma dos personagens, ante tantas desgraças consecutivas. O trabalho feito por Cláudio Cavalcanti foi tão convincente, que o ator recebia cartas de espectadores, agradecendo pela paz que as palavras de Dr. Alberto trazia a eles.

Além de Cavalcanti, Christiane Torloni, Antônio Fagundes, Laura Cardoso, Lucinha Lins e Guilherme Fontes são os grandes destaques de A Viagem, olhando com os olhos de hoje, no futuro. Aliás, por falar em Christiane Torloni, Diná é a personalidade mais complexa da novela, e uma das melhores personagens femininas da dramaturgia brasileira dos anos 90. Ao mesmo tempo forte e insegura, carismática e intransigente, solidária e falível, Diná é crível e foi perfeitamente construída por Torloni, permanecendo poderosa em 2021.

O sucesso e a atemporalidade de A Viagem parecem estar intimamente relacionados às temáticas da obra. A morte gera fascínio, curiosidade, medo, revolta, dor. O conceito de vida após à morte seduz até o mais cético dos homens. O desconhecido atrai e provoca sensações profundas nas pessoas. No mesmo sentido, a novela explora muito os laços e a fraternidade familiar, a relação entre irmãos, entre pais e filhos, entre maridos e esposas, além da comunhão entre pessoas que se amam, e que estão dispostas a fazer tudo pelo bem do ente querido e a sofrer as piores agonias pela perda e pela ausência do outro.

O fascínio pelo desconhecido e o apego aos laços familiares são sentimentos vivos no coração humano, e, ainda que se passem anos, décadas, séculos, tais questões permanecerão sendo caras ao público, e continuarão garantindo o sucesso infinito da novela. Ou quem sabe até de mais uma nova versão dela.

Referências 



Texto: Carvalho de Mendonça
Arte em destaque: Sofia Lungui
Carvalho
Escritor, advogado e podcaster mineiro. Acredita na arte e na indignação como elementos essenciais para a transformação social. Prepara seu primeiro romance, enquanto se alimenta do som e da fúria de Belchior.

Comentários

  1. Muito bom o texto! Específico, informativo e leve! Parabéns ao autor!

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