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Este Lado do Paraíso: os ecos de uma Geração Perdida

Este Lado do Paraíso foi o primeiro livro publicado por F. Scott Fitzgerald, em 1920. Nele, conhecemos Amory Blaine desde seu nascimento até seus dias pós-faculdade, como um jovem adulto. O livro foi bem recebido pelos críticos, marcando uma estreia estrondosa para um Fitzgerald que, até onde sabemos, decidiu publicá-lo por amor: Zelda Sayre só casaria com ele quando ele fosse um autor publicado. O livro saiu em 26 de março de 1920 e uma semana depois, em 3 de abril, eles casaram. 

Se Este Lado do Paraíso trata-se de uma junção de outros trabalhos de ficção incompletos que Fitzgerald estava escrevendo - e decidiu reunir num livro, com uma trama semi-autobiográfica - é algo que paira no ar. O fato é que essa foi a obra que lançou o autor estadunidense como a voz de uma geração. 

Podemos facilmente dizer que o livro trata-se de um romance de formação por nos mostrar a trajetória de Amory desde seus primeiros anos, ainda criança - uma das partes mais interessantes do livro é a que concentra-se na mãe do personagem -, até o momento em que ele, já formado e tendo passado por uma guerra, encontra-se sem direção. 

Nascido em berço de ouro, Amory Blaine foi mimado por sua mãe, Beatrice, uma mulher que reunia as qualidades esperadas de uma dona-de-casa rica da virada do século XX. Ela era bonita, interessante, propensa a doenças misteriosas e com um fraco por vícios em bebidas e medicamentos. Nada além do normal dentro daquela sociedade. Beatrice praticamente criou Amory sozinha, já que o pai do rapaz ausenta-se durante todo o romance. A educação era, de fato, vista como assunto de mulheres. E Amory foi educado de forma muito próxima pela mãe durante seus anos de infância, o que parece tê-lo marcado para sempre. Se Fitzgerald colocou tal construção como crítica ao apego entre uma mãe e um filho fica à interpretação do leitor. 

É interessante perceber como Amory passa de um jovem que tem tudo - dinheiro, status e convicções firmes - para alguém que não possui grandes certezas, alquebrado pelo mundo que o rodeia, a qual não mais sente-se pertencente. O Amory que acompanhamos durante mais da metade do romance exibindo seu intelecto, fazendo farras com os colegas, tendo diversos encontros e usando o mundo como se fosse seu parque-de-diversões é bem diferente do rapaz que encontramos da metade para o final da história, quando ele já está com as ilusões por terra e enxerga o mundo e a si mesmo como coisas irremediáveis. 

F. Scott Fitzgerald com dois amigos no primeiro dia de aula em Princeton, 1913

Publicado originalmente há um século, o romance possui diversas similaridades com a atualidade. Em muitas maneiras, poderia ter sido escrito hoje em dia. A melancolia sem direção daquela que ficou conhecida como a Geração Perdida se faz presente com força no enredo. Até mesmo o estilo muda conforme Amory vai perdendo as bases fundamentais que sustentavam sua personalidade. O que começa como prosa muda para poemas, diários, cartas e teatro. Não há uma constante porque aquela era uma época de mudanças - tal qual o é esta. A guerra, a crise econômica, o rompimento com Rosalind, seu primeiro e mais intenso amor (claramente baseada em Zelda), a pandemia, a falta de perspectivas, tudo deprime aqueles personagens, que continuam tentando encontrar seus lugares, quer seja numa profissão, quer seja num casamento tradicional, seguindo os passos da geração anterior que já não se encaixam naquele contexto, pois os valores vitorianos foram rompidos no início do século XX. 

"Não se pode mais viver agora como se vivia no começo do século."

Amory é um jovem rico, de família tradicional, e que cumpre os requisitos da alta sociedade da época. Vai para um internato, estuda numa faculdade de ponta, entra para uma fraternidade, é bem-quisto pelos colegas - e até mesmo um pouco invejado. Mas, conforme vai se aventurando por leituras de autores clássicos, como Tolstói, políticas e filosóficas, Amory tem sua visão de mundo modificada. Isso dialoga com a experiência que teve na pré-adolescência, nos poucos anos em que morou junto com os tios, no meio do nada, onde viveu à parte do círculo de riquezas e benefícios que lhe cercaram desde o berço. Embora ele fosse um jovem rico para quem tudo estava ao alcance, o mundo que se desenhava à sua frente era mais complexo e ele, seja por suas leituras, seja pela experiência de ter morado com os tios num local afastado e visto algo para além de si mesmo e do luxo com o qual crescera, não conseguia simplesmente ignorar aquilo que percebia. Sua sede por tornar-se alguém - ter uma definição que fosse além dos muros do nascimento - cresceu de tal modo que afetou os rumos de sua vida, impregnando para sempre Amory de um sentimento de desilusão. 

Consigo entender quem não gosta desse livro. É uma daquelas histórias em que nada acontece. Mas justamente por isso é que gostei tanto dele. Esse nada, essa falta de um fio narrativo concreto, é semelhante à vida. E, ainda mais, dialoga perfeitamente com o início deste nosso século. Não é à toa que cem anos depois cá estamos, tendo os mesmos questionamentos, inquietações e até mesmo escrevendo coisas semelhantes a que Fitzgerald - dando voz a Amory - escreveu. Talvez seja o momento, que é propício: o mundo voltado para si, cada um preocupado com seu umbigo e percebendo que não há muito para onde correr, pois o sistema político é falho e, sem as vantagens da riqueza, estamos todos sem garantias. Ter estudado em Princeton não ajuda Amory em nada após a formatura - nem os anos que passou na Primeira Guerra Mundial, felizmente registrados apenas num capítulo de interlúdio, em cartas trocadas com o Monsenhor Darcy. Ele formou-se, foi para a guerra, sobreviveu, voltou e o máximo que conseguiu foi um emprego sem grande pompa em marketing. Um emprego que, ao final, ele nem consegue manter, pois não tarda para que a depressão tome conta dele e ele se veja refletido nos rostos cansados das pessoas no metrô. 

"[...] saturar-se ele próprio de rotina a fim de escapar a esse horror."

Amory termina o livro considerando o socialismo como a única saída viável - como muitos de nós consideram -, encarando a si próprio e a sua jornada como algo sem sentido até ali. "Não conheço nada além de mim mesmo." O final do livro é particularmente doloroso e belo, especialmente a parte em que Amory caminha entre túmulos, pensando na brevidade da vida e no que as pessoas saberiam daquilo, do que se lembrariam, dali a um século. Cá estamos, cem anos depois, e penso que não somos assim tão diferentes e estamos tão perdidos quanto a Geração Perdida de Fitzgerald - mas não sei se sobrará mundo para lembrar de nós. 


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Referências 


Texto e imagem de destaque: Mia Sodré
Mia Sodré
Mestranda em Estudos Literários pela UFRGS, pesquisando O Morro dos Ventos Uivantes e a recepção dos clássicos da Antiguidade. Escritora, jornalista, editora e analista literária, quando não está lendo escreve sobre clássicos e sobre mulheres na história. Vive em Porto Alegre e faz amizade com todo animal que encontra.

Comentários

  1. Nossa, gostei demais da sua resenha! A leitura desta obra neste momento em que estamos vivendo, de pandemia, de caos na política brasileira, de dificuldades em todo o mundo, me parece particularmente interessante. Como bem sabemos, um clássico é isso: uma obra que não envelhece. Interessei-me tanto, que incluirei essa leitura (não sei ainda como, uma vez que minha lista já está bem grande) em algum momento ainda este ano.

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