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Admirável Mundo Novo e o conhece a ti mesmo


Publicado pela primeira vez em 1932, o clássico distópico de ficção científica, escrito por Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, transportou seus leitores ao ano de 632 D.F (depois de Ford, um deus científico e tecnológico e que, não despropositadamente, carrega o sobrenome de Henry Ford, fundador da fabricante de automóveis estadunidense, caracterizado principalmente pelo seu esquema fordista de produção em massa e exploração trabalhista). Naquele contexto, a abolição da família, o nascimento através de incubadoras, a classificação em castas (Alfa, Beta, Gama e Delta) que permitiriam identificar os indivíduos como inferiores e trabalhadores de mão de obra ou não, e que não possuem mobilidade entre si, o fim das relações amorosas afetivas, a geração de até 96 indivíduos gêmeos advindos de um mesmo óvulo, o constante uso da droga Soma (uma mistura de heroína, cocaína e álcool), que inibe emoções e proporciona bem-estar imediato, e a expectativa de vida alcançando apenas os 45 anos, tornaram-se o novo normal.

Visto que o propósito das classes inferiores era trabalhar de forma alienada, sem questionamentos e, portanto, sem refletir sobre sua própria exploração, a elas era proibido o ato da leitura, que poderia instruí-las e motivá-las a se rebelar aos seus superiores. Tal coisa de maneira alguma seria benéfica para o bom andamento da sociedade e, principalmente, das classes superiores, além de relembrar os anos passados fora do seu sistema totalitário.

No entanto, um selvagem, John, fugitivo que vivia isolado nas florestas centrais, e posteriormente levado como resgate ao Mundo Novo, encontra uma obra de Shakespeare, com a qual aprende a ler e, consequentemente, a encarar a verdade sobre o atual sistema. Para que uma queimada se inicie, sabemos que uma faísca é o suficiente.
“As pessoas mal adaptadas à sua posição tendem a alimentar pensamentos perigosos sobre o sistema social e a contagiar os outros com seus descontentamentos.”
Aldous Huxley no prefácio de Admirável Mundo Novo 
Apesar de fazer parte da casta dos Alfa, caracterizada como a melhor da linhagem e a que mais recebe nutrientes em sua criação laboratorial a fim de adquirir melhores aspectos físicos e capacitivos, Bernard Marx, o responsável por resgatar o selvagem e levá-lo à sociedade "correta", era visto como alguém estranho pelos demais colegas. Isso acontecia por ele não possuir estatura tão alta e por rotineiramente sentir-se inseguro sobre si, não conseguindo exercer autoridade sob castas mais baixas, tendo como características da sua personalidade a introspecção e a timidez, ambos pontos fracos no Novo Mundo. É quando retorna da Reserva Selvagem com John que passa a ser respeitado, considerado um grande salvador daquele individuo antes perdido e deixado à margem do verdadeiro bom modo de vida. Conclui-se, assim, que o posterior descontentamento do personagem com o mundo em que vivia não partia tanto de perceber os erros do local, mas sim, de não sentir-se parte dele.

Alcança-se, então, a essa altura do enredo, dois pontos relevantes: não ter sido condicionado a uma classe desde o principio, assim como ter acesso à literatura anterior ao regime, levam John a ser visto como um selvagem não apenas pelo local a que pertencia, mas também por suas peculiaridades diante daquilo visto e aceito como normal devido a suas constantes instruções e inibições através da pílula Soma. É ele o único a enxergar a falta de liberdade e o único a, mesmo não sendo um Alfa, descobrir na literatura a existência de outros meios de vida, menos redutores e controladores.

Além disso, se de acordo com a filosofia grega é necessário conhecer a si mesmo para então, a partir do auto-conhecimento, entender o mundo em que se vive e, quem sabe, melhorá-lo com seu próprio crescimento, é notável na obra a transformação da introspecção e do isolamento em características e situações ruins, a serem evitadas e definidas como pontos fracos. Para que um regime totalitário se efetive, é necessária a total perda da individualidade e da reflexão. Quanto mais uma pessoa está em contato consigo, mais arriscado é.

Se a distopia de Huxley tem como característica o exagero e o sarcasmo como aliados ao imaginar esse futuro científico e totalitário, os problemas enxergados pelo autor e maximizados para causar horror deveriam, de alguma forma, ao longo dos anos, com o aumento de Estados democráticos em diversos países, ter se extinguido. Porém, com leis de proteção e medidas humanitárias ou não, os absurdos do Mundo Novo se fazem mais presentes do que gostaríamos de admitir. Como, por exemplo, no caso da atual taxação em 12% dos livros, proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, alegando que o país em que 30% da população nunca leu um livro (pesquisa "Retrato da Leitura no Brasil", da plataforma Pró-Livro), deveria ter um aumento no seu valor de compra por ser um item de luxo, adquirido por uma elite, ao invés de torná-lo mais acessível e assim, disponível as classes menos favorecidas financeiramente. A separação em castas e a exclusão da literatura, afinal de contas, não parecem ser assim tão ficcionais. Parafraseando o autor estadunidense Stephen King, a ficção é a verdade dentro da mentira
“As pessoas que governam o Admirável Mundo Novo podem não ser sensatas (no sentido que se pode chamar absoluto da palavra); mas não são loucas, e seu fim não é a anarquia, e sim, a estabilidade social. É para realizar a estabilidade social que levam a cabo, por meios científicos, a última e pessoal revolução realmente revolucionária."
— Aldous Huxley no prefácio de Admirável Mundo Novo
Infelizmente, ao final do livro, não vemos o fim do que é considerado o novo normal, mas sim o fim daquele que tentou mostrá-lo como o que realmente era.

"– E esse – interveio sentenciosamente o Diretor – é o segredo da felicidade e da virtude: amarmos o que somos obrigados a fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem escapar."
 
Para que o projeto da tributação de livros proposto seja interrompido, você pode participar assinando a petição pública enviada para o Congresso e para o Governo Federal, e utilizando a hashtag #defendaolivro nas suas redes sociais com informações sobre o caso.

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Arte em destaque: Mia Sodré
Tati
Estudante que ainda não sabe o que vai ser quando crescer. Escreve na internet há mais tempo que se lembra. Sonha com um mundo mais literário e justo.

Comentários

  1. Lembro de ter lido esse livro e ficado com gosto amargo na boca, mais até que com 1984 (que ainda é minha distopia favorita). Sempre amei distopias, nunca imaginei viver em um combo de todas elas. Essa citação final é o meu maior pesadelo, talvez.

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    1. Oi Helen! Entendo completamente seu sentimento, perceber o quanto a atualidade está cada vez mais parecida com esses livros é triste demais :(

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  2. Parabéns pelo texto. Muito bom taty!

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