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my tears ricochet: uma música sobre O Morro dos Ventos Uivantes


folklore, o mais novo álbum de Taylor Swift, foi lançado há menos de uma semana. De forma completamente inesperada, os fãs ainda estão reagindo às composições mais introspectivas da carreira da cantora. O disco é catártico e triste de muitas maneiras. Entretanto, talvez sua faixa mais melancólica seja my tears ricochet, a quinta música do álbum.

Já foi analisada a presença de referências a clássicos literários nas obras da cantora. Para além de Romeu e Julieta, que a inspirou ainda no início da carreira, folklore conversa com diversos livros, sendo os mais presentes Jane Eyre e O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights). Ambos escritos pelas irmãs Brontë, Charlotte e Emily, respectivamente, suas tramas giram em torno de histórias góticas, com tons sombrios e relacionamentos complicados. No entanto, embora a referência quase literal a Jane Eyre, em invisible string, tenha sido pega quase que de imediato pelos leitores de Charlotte, uma análise mais cuidadosa de my tears ricochet ainda não foi feita. 

De acordo com Taylor, my tears ricochet fala sobre uma pessoa cruel e amarga aparecendo no funeral de seu objeto de obsessão. Ela ainda contou que essa foi a primeira música a ser escrita para o álbum. Taylor não costuma revelar publicamente suas leituras, porém, tanto a breve descrição sobre a letra quanto seus versos fazem alusão direta a O Morro dos Ventos Uivantes. Abaixo, faremos uma análise cuidadosa dos paralelos entre a música e o livro. 



Letra original + análise  

We gather here, we line up, weepin' in a sunlit room
And if I'm on fire, you'll be made of ashes, too
Even on my worst day, did I deserve, babe
All the hell you gave me?
'Cause I loved you, I swear I loved you
'Til my dying day

No primeiro verso, Taylor parece descrever um funeral. Entretanto, o que poderia ser interpretado como uma recepção para as pessoas presentes, no âmbito do romance, O Morro dos Ventos Uivantes, pode ser visto como uma lembrança do último momento entre Cathy e Heathcliff. Após alguns meses sem vê-la, sabendo que ela está doente, ele vai visitá-la, em seu quarto, que é descrito como iluminado pelo sol ("We gather here, we line up, weepin' in a sunlit room" / "Nos encontramos aqui, alinhados, lamentando num quarto iluminado pelo sol"). Porém, encontrando-a doente à beira da morte, ele fica desesperado e ambos trocam palavras duras que o atormentarão pelo resto do livro. A frase "E se eu estou em chamas, você será feito de cinzas também" ("And if I'm on fire, you'll be made of ashes, too"), pode ser interpretada como Cathy dizendo que se ela está morrendo, ele também morrerá. É interessante aqui a escolha do "on fire", pois pode significar tanto um fogo literal quanto uma febre, algo que acometeu Cathy em seus últimos dias ao ponto do delírio. 

A segunda parte do verso, quando é dito "Mesmo no meu pior dia, eu mereci todo o inferno que você me fez passar? Pois eu te amei, juro que te amei, até o dia de minha morte" ("Even on my worst day, did I deserve, babe, all the hell you gave me? 'Cause I loved you, I swear I loved you, 'til my dying day"), soa como se a própria Cathy estivesse revivendo suas memórias, do último dia que passou viva, nos braços de Heathcliff, delirando, dizendo que o amava e, ao mesmo tempo, com raiva daquela situação e da forma como sentiu-se atormentada por ele. No livro, Cathy diz para Heathcliff: "Vou continuar a amá-lo e vou levá-lo comigo... está na minha alma"

I didn't have it in myself to go with grace
And you're the hero flying around, saving face
And if I'm dead to you, why are you at the wake?
Cursing my name, wishing I stayed
Look at how my tears ricochet

O refrão é particularmente interessante porque faz referência direta ao livro. Cathy é conhecida por seu caráter tempestuoso e difícil, o que não é atenuado por sua morte. Mesmo à beira da morte, a poucas horas do túmulo, ela está instigando Heathcliff a sentir-se culpado, e fazendo da vida de todos a seu redor um inferno. Em determinado momento, Heathcliff pergunta para ela: 
"— Não é bastante para o seu egoísmo infernal o fato de que quando estiver em paz eu vou estar me contorcendo nos tormentos do inferno?"
Ao que ela responde: 
"— Não vou estar em paz. [...] E se uma única palavra minha o fizer sofrer daqui por diante, saiba que vou estar sentindo o mesmo sob a terra." 
Assim sendo, quando Taylor canta "Eu não tinha em mim o necessário para partir graciosamente" ("I didn't have it in myself to go with grace"), ela está sendo certeira acerca dos sentimentos e personalidade de Cathy, que estava tudo, menos em paz. 

Logo, o refrão dá um pequeno salto temporal, para a cena logo após a morte de Cathy, quando Heathcliff está amaldiçoando-a. Os versos "And if I'm dead to you, why are you at the wake? Cursing my name, wishing I stayed" ("E se eu morri para você, porque você está no velório? Amaldiçoando meu nome, desejando que eu ficasse") são quase uma transcrição literal daquilo que o espírito de Cathy estaria se perguntando ao observar tanto a selvageria dele, ao amaldiçoá-la, quanto o doloroso momento em que Heathcliff espera a família de Linton ir embora do velório para aproximar-se do túmulo e ter seu momento com ela. 

"— Que ela desperte em meio ao tormento! — exclamou ele, com assustadora veemência, batendo o pé e grunhindo num ataque súbito de paixão irrefreável. — Ora, ela mentiu até o fim! Onde está? Não está lá... não no céu... não se foi... onde? [...] E rezo uma única oração, que hei de repetir até perder o fôlego: Catherine Earshaw, que você não encontre descanso enquanto eu viver. Disse que a matei... venha me assombrar, então! As vítimas assombram até mesmo seus assassinos. Acredito... sei que há fantasmas perambulando pela terra. Fique comigo sempre, assuma a forma que quiser, faça-me enlouquecer! Só não me deixe neste abismo onde não posso encontrá-la! Ah, meu Deus! É indizível! Não posso viver sem a minha vida! Não posso viver sem a minha alma!" 

We gather stones, never knowing what they'll mean
Some to throw, some to make a diamond ring
You know I didn't want to have to haunt you
But what a ghostly scene
You wear the same jewels that I gave you
As you bury me

A referência às joias, embora não seja literal, conversa com o momento em que Heathcliff, contemplando o cadáver insepulto de Cathy, arranca o medalhão de seu pescoço, tirando a mecha de cabelo de Linton dali e colocando uma dele mesmo, para que ele sempre esteja com ela, mesmo na morte. 

Já a segunda parte é mais direta. "Você sabe que eu não queria ter que te assombrar, mas que cena fantasmagórica" ("You know I didn't want to have to haunt you, but what a ghostly scene") é uma Cathy lamentando ter sido amaldiçoada e passar a ser a assombração pessoal de Heathcliff. 

And I can go anywhere I want
Anywhere I want, just not home
And you can aim for my heart, go for blood
But you would still miss me in your bones
And I still talk to you (When I'm screaming at the sky)
And when you can't sleep at night (You hear my stolen lullabies)

"E eu posso ir para onde eu quiser, para onde eu quiser, só não para casa" ("And I can go anywhere I want, anywhere I want, just not home") parece, assim como a música de Kate Bush, Wuthering Heights, centrar-se na parte inicial do romance, quando Lockwood, o inquilino de Heathcliff, passa uma noite no antigo quarto de Cathy, muitos anos após sua morte, e é assombrado pelo fantasma dela, que pede para deixá-la entrar. 

"— Deixe-me entrar... deixe-me entrar! 
— Quem é você? — perguntei, enquanto lutava para me soltar. 
— Catherine Linton — respondeu a voz, trêmula. — Voltei para casa. Estava perdida na charneca!
[...]
— Vá embora! — gritei. — Jamais vou deixá-la entrar, nem que fique aí pedindo por vinte anos! 
— Já faz vinte anos — a voz se lamuriou —, vinte anos. Estou perdida faz vinte anos!"

I didn't have it in myself to go with grace
And so the battleships will sink beneath the waves
You had to kill me, but it killed you just the same
Cursing my name, wishing I stayed
You turned into your worst fears
And you're tossing out blame, drunk on this pain
Crossing out the good years
And you're cursing my name, wishing I stayed
Look at how my tears ricochet

Essa retomada do refrão altera um pouco o inicial, incluindo maiores detalhes e um tom de repreensão. Ao dizer "Você tinha que me matar, mas acabou se matando também" ("You had to kill me, but it killed you just the same"), Taylor ecoa as próprias palavras trocadas entre Cathy e Heathcliff, no último encontro deles, quando ela o acusou de matá-la e ele defendeu-se dizendo que não teria mais vida dali por diante, e segue dizendo como isso o destruiu.

"— Não percebe que todas essas palavras ficarão gravadas na minha memória, corroendo-a fundo e eternamente, depois que você tiver me deixado? Sabe que está mentindo quando diz que a matei; e sabe, Catherine, que esquecê-la seria o mesmo que esquecer minha própria existência! [...] Você merece tudo isso. Matou a si mesma. Sim, pode me beijar e chorar e arrancar beijos e lágrimas de mim: eles serão para você como uma doença, e hão de condená-la. Você me amava... então que direito tinha de me deixar? [...] Não parti o seu coração, foi você quem o partiu, e, ao fazer isso, partiu o meu também. Pior para mim, ser forte. Se quero continuar vivo? Que tipo de vida vou ter quando... Ah, meu Deus! Você gostaria de viver com a alma no túmulo?" 

Não é à toa que my tears ricochet é a música mais sombria e triste do álbum. Não teria como ser diferente, dado o livro em que ela é baseada. 
Mia Sodré
Mestranda em Estudos Literários pela UFRGS, pesquisando Apolo, Dioniso e a recepção dos clássicos em O Morro dos Ventos Uivantes. Escritora, jornalista, editora e leitora crítica, quando não está lendo, escreve sobre clássicos. Vive em Porto Alegre e faz amizade com todo animal que encontra.

Comentários

  1. Eu amei demais esse post! Eu a tinha interpretado como a versão "exagerada" do fim da relação da Taylor com sua gravadora e tal. Mas essa interpretação ficou mto boa tbm.

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    1. Oi, Adri!
      Realmente, vi algumas pessoas levantando a hipótese de ser uma música sobre os problemas com a gravadora mas, para mim, isso não faz muito sentido, tanto pelo que a Taylor falou (que é "sobre uma pessoa cruel e amarga aparecendo no funeral de seu objeto de obsessão") quanto pela letra mesmo, que dá certinho com o livro. A gente sabe que ela costuma se inspirar em clássicos para escrever algumas letras, e que leu Jane Eyre, mas acho que ela leu as irmãs Brontë todas durante a quarentena haha

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  2. Oi Mia! Tudo bem?
    Achei incrível sua análise! Muito obrigado por compartilhar! Eu acabei de ler o livro e fiquei simplesmente chocado pela quantidade e intensidade dos sentimentos presentes na estória. Foi bem curioso pq, de forma totalmente aleatória, a música my tears ricochet começou a tocar justamente nessa cena da morte/velório da Cathy! Achei incrível!!
    Acredito que, assim como em várias outras músicas do folklore e do evermore, a Taylor misturou estórias na hora de compor a música. O fato de ter relação com Wuthering Heights não exclui o fato de também ser relacionada à saída dela da gravadora antiga (lembra dos trechos "you hear my stolen lullabies" e "I can go anywhere I want, just not home")...
    Parabéns mais uma vez pela análise e depois dá uma olhada no meu Tumblr, acho que vc vai curtir rs
    http://folklorevermoremythology.tumblr.com
    Abraços

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