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O sol nasceu para Cartola


Mais conhecido como Cartola (1908-1980), Angenor de Oliveira, para muitos o maior sambista da música brasileira, foi compositor de músicas repletas de poesia. Nascido no Rio de Janeiro, se mudou com a família para o morro da Mangueira quando tinha 11 anos, devido às dificuldades financeiras dos pais. Passando de forma breve nos acontecimentos mais relevantes, quando tinha 15, interrompeu seus estudos, começando a trabalhar e ao mesmo tempo se inclinando para a vida boêmia; trabalhou como aprendiz e depois como pedreiro.

No mesmo ano em que começou a trabalhar, o falecimento de sua mãe veio a acontecer; devido às discussões com o pai, que não aceitava a dita “malandragem”, foi expulso de casa. Essa época de sua vida foi complicada, vivia na noite e dormia nos trens do subúrbio, ficou fraco fisicamente e permaneceu em um barraco. Até que sua vizinha, Deolinda, começou a gostar dele e se envolveu romanticamente; os dois passaram a viver juntos após ela romper com o marido e, com ela, havia a filha de dois anos que Cartola criara como sua.

Primeira composição


Desde que chegou na Mangueira, fez amizades que seriam companhia na vida como compositor e sambista, como Carlos Cachaça, que foi seu precursor para o meio boêmio. Junto dele e de outros amigos, criou o Bloco dos Arengueiros, que mais tarde seria a Estação Primeira de Mangueira, em 1928.

Cartola continuava trabalhando como ajudante de obra, porém, não cessava em suas produções musicais e rapidamente ficou conhecido no morro através da música. O primeiro samba que produziu para a abertura foi “Chega de demanda”.

“Chega de demanda
Chega!
Com este time temos que ganhar
Somos da Estação Primeira
Salve o Morro de Mangueira”

No início, os instrumentos utilizados eram tamborim, pandeiro, violão e cavaquinho. Somente depois começaram com o surdo, reco-reco e a cuíca. Os arranjos que compõem as músicas de Cartola são extremamente marcantes e fazem parte da identidade de seu samba.

Cartola compôs cerca de 500 canções, apesar de ter gravado somente quatro discos solo em sua vida. Um morador do morro que fez da poesia musical uma marca na história do samba brasileiro, encaixava perfeitamente a letra com a melodia das músicas que compôs.

Muito do que viveu durante sua vida envolveu a musicalidade, e seu primeiro contato com o meio artístico, na década de 1930, foi pela venda de “Que infeliz sorte”, na época gravada por Francisco Alves. Nesse mesmo período fez uma composição junto de Noel Rosa, “Tenho um novo amor”, gravada por Carmen Miranda.

As parcerias continuaram pela década de 1940, com grandes artistas do samba, influenciado por Heitor Villa-Lobos.

Cartola (1974)


Apesar de compor durante muitos anos, seu primeiro álbum foi lançado somente no final de sua vida. Em 2007, o álbum foi considerado um dos 100 maiores discos da música brasileira pela revista Rolling Stone.

Amor proibido

“Sabes que vou partir
Com os olhos rasos d´água
E o coração ferido.”

Essa faixa tem muitos dos componentes que fazem a autenticidade de Cartola ser facilmente identificada. A junção do puro samba com a poesia na letra nos conta em primeira pessoa sobre um amor que tinha muitos motivos para não acontecer, no qual ele foi ferido. A emoção que é transmitida é marcante, e está presente em toda sua composição.

Tive sim

“Tive, sim
Mas comparar com teu amor seria o fim
E vou calar, pois não pretendo amor te magoar.”

Após a ausência de Cartola por causa do falecimento de sua primeira esposa, Deolinda, ele foi levado de volta para o Morro da Mangueira por Dona Zica no fim da década de 1950, que era irmã da esposa de seu grande amigo, Carlos Cachaça.

Eles abriram um restaurante chamado “Zicartola” por um tempo, mas depois fecharam suas portas. Eles oficializaram sua união em outubro de 1964, e foi através dos documentos para o casamento que ele descobriu que seu nome não era Argenor, mas Angenor. 

“Tive sim” provavelmente teria sido uma resposta ao ciúme de Zica por causa de outro amor de Cartola. 

Cartola II (1976)


Seu segundo álbum, lançado dois anos depois, reuniu muitas de suas composições mais aclamadas, cheias de intensidade e com letras dignas de admiração.

O mundo é um moinho

“Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés.”


Existem algumas teorias sobre essa música, a mais conhecida delas, apesar de nunca ter sido confirmada pelo próprio Cartola, é que ele teria feito tal letra para sua filha de criação, Creuza. Ela é interpretada de muitas formas subjetivas, mas fala sobre um carinhoso aconselho para uma jovem que está descobrindo o mundo fora das proteções de casa. Ela tem uma delicadeza que encanta, junto da mensagem transmitida tão cuidadosamente que pode ser vista do ponto de vista de cada um que a ouve.

Esse álbum tem muitas das músicas mais conhecidas do compositor, e todas têm a capacidade de tocar algo no âmago de cada pessoa. É notável a capacidade de emocionar e ser bálsamo para os ouvidos através da junção de vários elementos que fazem o samba de Cartola ser único.

Verde que eu te quero rosa (1977)


Sobre este, deixamos recomendações de músicas que valem a pena serem ouvidas:

  • Pranto de poeta;
  • Nós dois;
  • Autonomia;
  • Verde que te quero rosa.

Raízes do samba e legado musical


Conhecer a história da música brasileira é fundamental para que aprendamos o valor da nossa cultura, entender os caminhos que esses grandes compositores, como Paulinho da Viola, Cartola, Alcione, Beth Carvalho, entre outros, percorreram para dar nome a esse leque de canções que compõem nossa história como povo também, que refletem a importância da musicalidade brasileira.

O samba é um gênero musical digno de orgulho, que traz nele os movimentos sociais, o encontro da diversidade que temos no nosso povo.



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Comentários

  1. Excelente texto, o Cartola escrevia muito bem, adorei que ela citou a música "Autonomia" a letra dela é bastante simbólica e têm umas analogias muito interessantes.

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  2. Escritora fantástica! Suas palavras transmitem paixão.

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