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Twin Peaks: a obra-prima de David Lynch & Mark Frost


Laura Palmer está morta.

Esta é a informação que temos nos primeiros minutos ao assistir o piloto da série de TV criada por David Lynch e Mark Frost. A obra tornou-se um fenômeno na história da televisão ao narrar as investigações do brutal assassinato da rainha do baile de formatura, Laura Palmer (Sheryl Lee), numa pequena cidade ficticía de Washington chamada Twin Peaks, assim como o nome do seriado.

Por ter sido um sucesso nos anos 1990, tanto pela crítica quanto pelo público nacional e internacional, a série entrou na cultura popular e influenciou diversos outros programas de televisão, filmes, livros, quadrinhos e até mesmo jogos eletrônicos. Exemplos marcantes são a franquia de jogos Silent Hill, a animação Gravity Falls, o seriado The X-files (Arquivo X, no Brasil) e os quadrinhos Archie, que foram adaptados para a TV como Riverdale. Além disso, em 2007, a série entrou para a lista “100 melhores programas de TV de todos os tempos” da revista TIME.

A experiência central de Twin Peaks é o mistério. As obras de Lynch são quase sempre direcionadas a esse gênero, são como sonhos ao redor de um desconhecido que não pode ser facilmente explicado. No livro Em águas profundas, o diretor declara não ser bom com palavras, que prefere utilizar a linguagem própria do cinema, focando mais em fazer o público sentir a história do que em entendê-la, pois somente dessa maneira a experiência de emergir em um mistério seria mais bem aproveitada.

Quem matou Laura Palmer? 


A primeira temporada da série contém 8 episódios, sendo eles exibidos originalmente entre 8 de abril e 23 de maio de 1990, pela ABC, chegando no Brasil somente no dia 7 de abril de 1991. Em decorrência do assassinato de Laura, somos apresentados a Dale Cooper (Kyle MacLachlan), um agente do FBI que viaja até Twin Peaks para investigar o caso, descobrindo que a cidade, aparentemente pacata, na verdade, é o cenário de muitos crimes e depravações, como tráfico de drogas, adultérios e prostituição.

Focado em um teor investigativo, a primeira temporada traz à tona os mistérios da vida de Laura e dos outros moradores da cidade. Os personagens têm características muito próprias e um pouco fora do convencional, como, por exemplo, Nadine Hurley (Wendy Robie), que usa um tapa-olho e possui uma personalidade considerada excêntrica, ou Margaret Lanterman (Catherine E. Coulson), mais conhecida como Log Lady (ou Dama do Tronco, em tradução livre), isso porque ela segura um tronco de madeira na maior parte do tempo e alega ser capaz de interagir com o mundo espiritual da cidade, sendo vista como mentalmente doente pela maioria dos moradores de Twin Peaks.

Por não ter sido revelado o assassino de Laura no final da primeira temporada, a emissora recebeu muitas ligações de fãs desesperados para saber quem tinha matado a garota. O que resultou em mais 22 episódios.

Twin Peaks

Não era a intenção de Lynch e Frost revelar o assassino, mas tiveram de fazê-lo porque a emissora exigiu. Para os criadores, se o mistério prevalecesse, outros personagens e acontecimentos poderiam continuar sendo desenvolvidos e explorados. A segunda temporada da série não somente continua a investigação, como também foca nos elementos irreais já apresentados na primeira temporada.

Os últimos dias de Laura Palmer e o mistério 


Retratando os acontecimentos anteriores à série, Twin Peaks: Fire Walk With Me (no Brasil, Os últimos dias de Laura Palmer) é um filme de 1992, dirigido pelo próprio David Lynch. Na trama, o agente do FBI Chester Desmond (Chris Isaak) desaparece sem deixar rastros enquanto segue uma pista do misterioso assassinato de uma garota chamada Teresa Banks (Pamela Gidley). Enquanto isso, na cidade de Twin Peaks, Laura Palmer vive os últimos sete dias antes de seu assassinato.

Em 2014, é lançado Twin Peaks: The Missing Pieces (No Brasil, Twin Peaks: o mistério), um compilado com 91 minutos de cenas inéditas de Twin Peaks: Fire Walk With Me, ainda dirigido por Lynch. São trechos deletados e cenas estendidas que fornecem uma nova perspectiva sobre a investigação do agente Chester Desmond no caso de Teresa Banks e as últimas horas de vida de Laura Palmer. A maioria dos fãs recomendam assistir ambos os filmes após conferir as duas primeiras temporadas da série.

O retorno de Twin Peaks 


Pode-se dizer que a promessa feita por Laura Palmer, “I'll see you again in 25 years”, foi cumprida. 25 anos após o fim da segunda temporada, a série retornou com mais episódios na plataforma de streaming da Netflix.

Preso no Black Lodge (uma dimensão onde o mal se concentra) por 25 anos, o agente Dale Cooper finalmente vê uma oportunidade para escapar e enfrentar sua cópia maligna que segue à solta, enquanto novos mistérios e dramas se desenvolvem tanto na pequena cidade de Twin Peaks quanto em grandes cidades como Nova York e Las Vegas.

David Lynch e Mark Frost nos apresentaram uma obra mais surrealista do que nunca e, mais uma vez, quebrando paradigmas na TV estadunidense. Com total liberdade criativa, ambos entregaram a história que sempre queriam contar. Embora ainda familiar, a terceira temporada tem aspectos completamente diferentes das outras duas, tanto visualmente quanto narrativamente.

Twin Peaks dos anos 1990 tem um humor quase novelesco, podendo ser, não ironicamente, comparado a novelas mexicanas, enquanto o retorno da série escolhe desenvolver um tom mais sombrio e filosófico nos 18 episódios. Outro destaque da terceira temporada foram as cenas surrealistas, que conversam diretamente com os primeiros trabalhos de David Lynch como diretor, Eraserhead e O Homem Elefante.

O retorno de Twin Peaks causou uma divisão entre os fãs. Enquanto alguns ficaram satisfeitos em assistir algo totalmente novo, outros se sentiram frustrados com a aparente falta de respostas e com a reduzida participação dos personagens das temporadas anteriores. Por não ter nenhum indício de que haverá uma quarta temporada, alguns fãs tentam encontrar respostas a partir de tudo o que foi apresentado na obra.

Twin Peaks

Uma das mais famosas teorias é explicada em um vídeo no YouTube, “Twin Peaks actually explained (no, really)”, postado pelo canal “Twin Perfect” no dia 20 de outubro de 2017, que obteve mais de 2 milhões de visualizações. No vídeo, que tem mais de 4 horas de duração, são apresentadas algumas possíveis respostas para os simbolismos na série.

“Mas as pistas estão todas lá para uma interpretação correta, e eu vou continuar dizendo que, de várias formas, essa é uma história simples. Tem apenas algumas coisas que são confusas.”

David Lynch odeia dar respostas, acreditando que a arte é aberta para interpretações e que isso torna a experiência muito mais instigante e gratificante. No entanto, ele também já deixou claro em algumas entrevistas, como no livro Lynch on Lynch, escrito por Chris Rodley, que há pistas que levam a uma “resposta certa”. Por mais que Lynch aceite e incentive as interpretações pessoais dos fãs, ele também deixa claro que há interpretações incorretas para o seu trabalho.

Livros, áudios e outros conteúdos 


Além da série de três temporadas e os dois filmes dirigidos por Lynch, temos outras obras que compõem o universo de Twin Peaks.

Publicado em 1990, e escrito por Jennifer Lynch, O diário secreto de Laura Palmer relata os pensamentos e segredos de Laura Palmer desde seus 12 anos de idade até o dia em que ela é encontrada morta, sendo um ótimo complemento para os fãs do seriado que desejam conhecer melhor a protagonista. O livro foi publicado no Brasil pela Globo Livros em 2016.

Mark Frost escreveu A história secreta de Laura Palmer, uma compilação de recortes de jornal, trechos de diários, informações secretas, arquivos do FBI e outras informações para que o leitor possa saber mais sobre episódios e personagens da série. O livro foi traduzido por Simone Campos e Stephanie Fernandes e publicado pela Companhia das Letras em 2017.

Frost também escreveu The final dossier, que foi publicado em 2019. O livro narra o que aconteceu com os personagens-chave nos 25 anos entre o fim da segunda temporada e o retorno da série. O romance também adiciona contexto e comentários aos acontecimentos estranhos e cósmicos da terceira temporada. Até o momento, The final dossier ainda não foi traduzido para o português brasileiro, tampouco publicado no Brasil.

Além desses dois títulos, Mark Frost escreveu uma paródia de um guia de viagem chamada Welcome to Twin Peaks, contendo informações sobre os serviços locais e a história da cidade fictícia da série.

A editora DarkSide, em 2017, publicou Twin Peaks: arquivos e memórias, livro escrito por Brad Dukes e traduzido por Carlos Primati. A edição especial reúne depoimentos dos criadores, dos atores e de membros da equipe, fotos inéditas da produção, curiosidades dos bastidores e do seriado, além de impressões inéditas e exclusivas de Mark Frost e de membros do elenco, como Kyle MacLachlan, Joan Chen, Sherilyn Fenn, Piper Laurie, Michael Ontkean, Ray Wise e Billy Zane, entre outros.

Lançada em 1 de outubro de 1990, "Diane..." - The Twin Peaks Tapes of Agent Cooper é uma fita cassete de áudio de dois lados produzida pela Simon & Schuster e narrada por Kyle MacLachlan. A maioria das gravações estão presentes na primeira temporada de Twin Peaks, mas há algumas transmissões inéditas que foram escritas por Scott Frost. Anos mais tarde a fita foi relançada como audiobook.

O legado da novela lynchiana


Apesar das mais diversas tentativas de explicarmos a série com teorias que nunca serão confirmadas, Twin Peaks continua sendo uma das experiências televisivas mais fascinantes dos anos 1990 e 2017. Se o objetivo de David Lynch e Mark Frost foi mexer com os nossos sentidos e neurônios, a missão foi cumprida com sucesso.

Não é possível dizer se um dia teremos outro seriado de mistério tão instigante quanto a investigação da morte de Laura Palmer. De qualquer forma, a música de abertura feita por Angelo Badalamenti prevalecerá icônica e Twin Peaks sempre estará na lista de obras que revolucionaram a TV, deixando um legado que nunca será esquecido pelos fãs.

Referências 




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Sharline Freire
Estudante e leitora voraz de fanfics, assiste filmes e séries mais do que deveria e escuta músicas dos anos 40. Parece fria e séria, mas já chorou escrevendo sobre Sherlock Holmes e John Watson na internet.

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