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Você conhece Auta de Souza?


“Por muito tempo na história, ‘Anônimo’ foi uma mulher.”

(Virginia Woolf)

Em 12 de setembro de 1876, nascia Auta de Souza, numa pequenina cidade chamada Macaiba, no Rio Grande do Norte. Foi um dos nomes talentosíssimos da segunda Geração Romântica e da poesia oitocentista. Além disso, escrevia para A Tribuna sob os pseudônimos de Ida Salúcio e Hilário das Neves, dentre outras contribuições para jornais e revistas. A primeira edição de Horto, seu livro de poemas, lançado pela primeira vez em 1900, foi muito bem recebida pela crítica literária do Brasil e se esgotou rapidamente. A primeira edição foi prefaciada pelo conhecido escritor parnasiano Olavo Bilac, e a terceira, por Alceu Amoroso Lima, mais conhecido pelo pseudônimo Tristão de Ataíde. Ademais, teve sua biografia escrita por Luís da Câmara Cascudo, um dos maiores pesquisadores da etnografia no Brasil. Mesmo assim, aposto que você, leitor, nunca ouviu falar a respeito de Auta de Souza, grandíssimo nome que vai, aos poucos e de modo sutil, sendo apagado pelo racismo e pelo patriarcado. A fim de lutar contra essas problemáticas, o Querido Clássico traz a você um pouco sobre a vida e a obra da poeta macaibense.

Desalento

[...]
Nunca julguei que a terra fosse um túmulo
De sonhos juvenis.
Sorrindo acreditei que aqui, no mundo.
Podia ser feliz...
[...]

Como acontece com a produção literária de muitas outras mulheres escritoras – podemos mencionar aqui algumas conhecidíssimas como Virginia Woolf e Clarice Lispector –, a produção de Auta, devido aos versos tristes e dolorosos, como pode ser notado no poema Desalento, é por vezes misturada com sua vida pessoal e, assim, muitos têm o falso entendimento de que sua obra se resume aos seus sentimentos e pensamentos pessoais, por ter vivido uma vida triste e angustiante. Dessa forma, a amplitude de sua obra é, muitas vezes, negada e substituída pela visão simplista de uma literatura enlutada apenas. Apesar de ter tido uma vida muitíssimo infeliz, uma vez que Auta era uma mulher negra e escritora na época da escravidão e havia perdido pai e mãe ainda criança, há documentos que provam que Auta, apesar de tudo, continuava a viver; a escritora frequentava reuniões e saraus, onde apresentava seus poemas e buscava esperança por meio da fé religiosa.

Auta e seus irmãos tiveram acesso a uma boa educação, garantida pela avó, após o falecimento dos pais. Antes de começar a frequentar uma escola de freiras, a escritora fora alfabetizada por professores particulares, ainda em casa. Contudo, foi na escola, em Recife, onde teve contato com línguas estrangeiras, como francês e inglês, bem como um grande contato com a literatura de caráter religioso, a qual, posteriormente, estaria muito presente em sua poesia mística e religiosa, como nos seguintes versos:

Na Judeia

[...]
Seu passo era tão leve e sua voz tão mansa
Como deve ser leve um sonho de criança.

Ele vinha do Céu dizer ao mundo inteiro;
“Eu sou filho de Deus, Messias verdadeiro.”
[...]

É importante ressaltar que, em geral, a natureza, a morte e a infância também se fazem muito presentes na escrita de Auta como em, respectivamente, Ao Clarão da Lua, Morta e Celeste. As temáticas não se encontram, necessariamente, separadas em cada poema, pois, como em Morta, por exemplo, podemos ver todos os temas supracitados juntos, conduzindo-nos pela tristeza e pelo luto da morte de uma criança, com uma linguagem delicada e de fácil entendimento.

O início da produção de Horto, seu único livro, se deu num período muito importante da história nacional e literária, no ano de 1893, quando Auta tinha apenas dezessete anos, época em que a escola literária simbolista foi oficializada e instalada a República da Espada, início da república no Brasil, marcada por governos militares e autoritários. No livro, estão reunidos os escritos de 1893 a 1897, os quais, antes de se chamarem Horto, estavam sob o título de Dhálias até 1898.


É importante ressaltar que Auta de Souza, por muito tempo na história, foi vista como o ideal da mulher esposa submissa, mãe e cristã, por abordar temáticas religiosas em seus escritos e por seguir uma fervorosa devoção religiosa. Entretanto, pesquisas acadêmicas recentes, como a de Ana Laudelina e a de Genilson de Azevedo Farias, apresentam uma Auta diferente daquela presente e fortificada, principalmente, no imaginário rio-grandense e, além disso, buscam pensar problemáticas sociais que se faziam presentes no contexto histórico o qual ela estava inserida. Apresentam uma poeta não mais santificada, mas sim como uma mulher real e humana que, muitas vezes, trata de assuntos considerados tabu na sociedade oitocentista, além de apresentarem uma mulher negra que, sobretudo, precisou lutar fortemente a fim de não ser submissa às regras da sociedade machista e escravista para, enfim, poder ser poeta.

Embora muitos desconheçam, são diversas as ressonâncias de Auta de Souza na cultura nacional durante os tempos. Desse modo, faz-se necessário mencionar que muitos de seus poemas foram musicados por artistas de sua época e por contemporâneos, como Mirabô Dantas. Além da ressonância na música, Auta, como mencionado anteriormente, também é tida como grandiosa influência no mundo religioso, como no catolicismo e, principalmente, no espiritismo kardecista nacional.

Infelizmente, em decorrência da tuberculose, doença que sofria desde os 14 anos, Auta faleceu muito jovem, aos 24 anos, deixando-nos sua maravilhosa lírica sobre o viver.

Ao pé de um berço

[...]
“Dorme e não chores, criança!
A Lua do Céu sorri –
Na vida sem esperança
Eu hei de chorar por ti.”

Referências




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Laura Ferracini
Futura professora de línguas e apaixonada por Virginia Woolf, mas lê tudo o que lhe prende. Espalhando leituras no interior do interior de São Paulo, ou para os íntimos, Dolcinópolis.

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