Ler clássicos nem sempre é uma tarefa fácil, principalmente para aqueles que só tiveram contato com esse gênero através das leituras obrigatórias. Mas uma hora ou outra chega a curiosidade em saber o porquê do legado desses livros perdurar por centenas de anos e ainda conquistar leitores de todas as gerações. Pensando nisso, listamos alguns filmes baseados em livros com romances avassaladores, criaturas mágicas, intrigas e críticas sociais. Para aqueles que ainda não sabem por onde começar, o cinema pode ser a forma perfeita de se aventurar nos clássicos pela primeira vez.
Romeu & Julieta (1968)
Romeu e Julieta, de William Shakespeare, é a história de dois jovens que literalmente morreram de amor. Na encantadora cidade italiana de Verona, Romeu Montéquio e Julieta Capuleto, filhos de famílias rivais, acabam se apaixonando perdidamente. Mas o que deveria ser apenas mais um romance trivial se transforma na ruína dos envolvidos e na morte dos jovens desafortunados.
Ainda que todos já saibam como a história de amor mais famosa do mundo termina, ler a peça na íntegra é uma experiência quase que obrigatória. Apesar de ter sido escrita entre 1591 e 1595, e de retratar os costumes do século XVI, a peça conversa até hoje com os amores impossíveis da vida moderna.
A união proibida, retratada por Shakespeare, passou a ser um tema que serviu de inspiração para todos os tipos de narrativa nas últimas décadas. O que poucos sabem, porém, é que o próprio Shakespeare se inspirou em outra história famosa da Antiguidade para criar seu enredo: o mito grego de Píramo e Tisbe. Na lenda, o casal - que, assim como Romeu e Julieta, também eram vizinhos - se apaixona perdidamente, mas o amor entre os dois é desaprovado pelos pais de ambos. É então que, através de uma fresta na parede, eles trocam declarações amorosas, até que um dia decidem fugir e passar o resto de suas vidas juntos. Porém, devido a contratempos, os dois jovens acabam mortos.
Dentre muitas adaptações para o cinema, o filme de 1968 é um dos mais apreciados. A produção retrata bem a inocência de Julieta, a ansiedade de Romeu, e a fragilidade, determinação e paixão das personagens. Dirigido por Franco Zeffirelli e estrelado por Leonard Whiting e Olivia Hussey, a adaptação ganhou o Oscar de Melhor Fotografia e Melhor Figurino em 1969, além de ter sido premiada com o Globo de Ouro de Melhor Revelação Masculina e Feminina por conta dos protagonistas.
Romeu e Julieta (1968) |
Há muitos mistérios sobre a obra. Além da dúvida acerca da existência de William Shakespeare, não há registros de que a história de Romeu e Julieta seja verdadeira, mas uma coisa é certa: ''nunca houve história mais triste do que esta de Julieta e Romeu''.
Shakespeare apaixonado (1998)
Aqui não temos exatamente a adaptação de um livro, mas sim uma representação de parte da vida de William Shakespeare. No filme Shakespeare apaixonado, acompanhamos a vida do escritor no ano de 1593, enquanto vivia um bloqueio criativo ao escrever Romeu e Julieta.
Tudo na vida do autor vira de ponta cabeça após conhecer a jovem Viola De Lesseps. A moça tem o sonho de ser atriz, porém, na época, as mulheres eram sempre interpretadas por homens, já que eram proibidas de participar do teatro. A jovem então se disfarça com trajes masculinos para fazer uma audição na peça de William, e acaba sendo aprovada. Após descobrir a verdadeira identidade de Lady Viola, ambos se apaixonam e vivem um romance em segredo, pois ela já estava prometida para outro homem. A partir de seu drama pessoal, William se vê inspirado a escrever a peça sobre sua própria história proibida. A diferença de classes entre uma jovem de família abastada e um poeta pobre se torna apenas um mero detalhe diante de todos os empecilhos dessa paixão.
Shakespeare apaixonado (1998) |
O filme retrata um amor intenso, com um final menos trágico do que Romeu e Julieta, mas ainda assim de apertar o coração. Com direção de John Madden, e Gwyneth Paltrow e Joseph Fiennes no elenco, a produção ganhou sete Oscars, entre eles os de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original.
Shakespeare apaixonado é uma boa pedida para quem quer entrar no clima dos clássicos e conhecer um pouco mais da história de vida de um dos autores mais famosos do mundo.
Sonho de uma noite de verão (1999)
Sonho de uma noite de verão, também de William Shakespeare, é uma comédia escrita entre 1594 e 1596, que se passa na Grécia antiga. Sendo um dos textos mais leves do autor, a peça retrata os encontros e desencontros de uma paixão; afinal, Helena ama Demétrio, que ama Hérmia, que ama Lisandro, que é correspondido pela moça, mas não recebe a aprovação do pai dela. Que bagunça!
Egeu, pai de Hérmia, quer que ela se case com Demétrio de qualquer maneira, e, por isso, a garota decide fugir com Lisandro e viver seu amor longe da desaprovação familiar. Os dois vão para o bosque, e, após um tempo, são seguidos por Helena e Demétrio; porém, o lugar, que era habitado por duendes, elfos e fadas, vira a noite de verão dos jovens de cabeça para baixo.
Ao longo da peça somos apresentados ao casal Oberon e Titânia, rei e rainha das fadas, que entram em uma guerra de poder por um menino humano. Por conta disso, Oberon contata Puck, seu assistente, para distrair Titânia e pegar o menino para ele. O rei das fadas manda seu ajudante em busca de uma flor, símbolo do amor perfeito, que deveria ser esmagada e ter seu líquido pingado nos olhos de Titânia. Segundo a lenda, a flor fora atingida pela flecha do cupido, e era capaz de fazer uma pessoa se apaixonar perdidamente pela primeira coisa que avistasse ao abrir os olhos. O ajudante cumpre sua missão e a rainha das fadas se vê encantada por um aspirante a ator com cabeça de burro.
Enquanto isso, na floresta, Oberon vê a jovem Helena sendo destratada por Demétrio, e, no intuito de ajudar o casal, tem a ideia de pedir a Puck para usar a flor no jovem, e assim fazer com que ele se encantasse pela moça. Puck, porém, confunde um ateniense com o outro, e acaba enfeitiçando Lisandro, que agora está apaixonado por Helena. Na tentativa de consertar o erro, Puck faz os dois rapazes caírem de amores ao mesmo tempo por Helena.
A história do autor inglês nos remete muito ao poema brasileiro Quadrilha, escrito por ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade, que dizia: “João amava Tereza que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém”. Ambos os textos retratam as ironias do amor e a injustiça das paixões não correspondidas.
A peça de Shakespeare aborda também a desvalorização da arte, acompanhando um núcleo de artesãos, que decidem apresentar uma peça no casamento de Hipólita e Teseu. Este é apenas um breve resumo desta peça que, embora curta, é repleta de tramas paralelas. A adaptação do livro foi lançada em 1999, e é dirigida por Michael Hoffman, com elenco formado por Christian Bale, que interpreta Demétrio, e Michelle Pfeiffer como Titânia. Por se tratar de uma comédia não muito longa, o livro é perfeito para entrar nos universos dos clássicos de uma forma despretensiosa e descontraída.
Orgulho e preconceito (2005)
''É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro na posse de uma bela fortuna necessita de uma esposa." Mas não é exatamente o que pensa a senhorita Elizabeth Bennet, protagonista de Orgulho e preconceito, de Jane Austen. Em uma sociedade na qual os casamentos não passam de acordos de interesse, a jovem se recusa a casar sem estar apaixonada. Elizabeth é uma mulher inteligente, sarcástica e orgulhosa, com opiniões e atitudes muito à frente de seu tempo. Irmã de outras quatro jovens, Jane, Mary, Kitty e Lydia, ela e sua família vivem em uma simples área rural da Inglaterra no início do século XIX.
A narrativa se inicia quando os abastados Mr. Bingley e Mr. Darcy chegam na região de Meryton. A mãe das garotas logo se anima com a possibilidade de conseguir um casamento para as filhas, e tem seus desejos atendidos quando o Mr. Bingley se apaixona por Jane Bennet, a mais velha das irmãs, que se perde apaixonadamente nos encantos do cavalheiro. O casal principal, no entanto, é composto por Mr. Darcy e Elizabeth, que não simpatizam tanto de início, mas que se apaixonam ao longo da narrativa, como em um bom romance com reviravoltas.
Embora por muitos anos os livros da autora tenham sido vistos como ''histórias de mulherzinhas'', as obras de Jane Austen retratam os costumes da época e todas as questões acerca do casamento, da moral, do julgamento, e, principalmente, do papel da mulher no século XIX. Orgulho e preconceito reflete os próprios pensamentos e ações da autora que, diferente de sua protagonista, acabou nunca subindo ao altar por não aceitar um casamento arranjado na juventude com um homem que não amava.
O filme, lançado em 2005, tem direção de Joe Wrigh e elenco composto por Keira Knightley, Matthew Macfadyen, Brenda Blethyn, Donald Sutherland, Rosamund Pike e Jena Malone. A produção foi indicada em quatro categorias do Oscar e, embora não tenha ganhado nenhuma, levou o Bafta de Melhor Filme Revelação em 2006.
Assim como Romeu e Julieta, a história de Elizabeth e Mr. Darcy inspirou inúmeras obras atuais e se tornou muito importante para a literatura. Mesmo sem nenhum beijo e com poucos toques físicos entre os protagonistas, a química do casal conquistou uma legião de fãs ao redor do mundo. Os personagens cativantes, os diálogos inteligentes e as sutis críticas sociais, fazem de Orgulho e preconceito um livro atemporal e fundamental para quem deseja conhecer um pouco mais sobre o universo dos clássicos e, principalmente, as origens das inspirações para as histórias dos romances modernos.
O grande Gatsby (2013)
“Sempre que tiver vontade de criticar alguém, lembre-se de que nem todo mundo teve as oportunidades que você teve". Esse trecho, que inicia o romance O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, nos revela alguns aspectos que vamos encontrar no decorrer da história. Nessa leitura, adentramos a época dos anos 1920, o período mais festeiro dos Estados Unidos, que trazia ao mundo a Era do Jazz, as melindrosas, e o estilo Art déco.
A história se passa no verão de 1922, marcada pelos efeitos da Primeira Guerra Mundial, quando Nick Carraway, nosso narrador, se muda para um bairro de Long Island. Nick é o grande observador dos fatos, que sempre são contados unicamente a partir de seu ponto de vista; ou seja, todas as percepções acerca dos personagens e acontecimentos passam apenas pela sua ponderação, tornando todas as suas opiniões parciais.
Nick se muda para um casebre que ficava ao lado de uma grande mansão que, mais tarde, descobre ser de um misterioso homem chamado Gatsby, responsável por ser anfitrião de festas requintadas e regadas a álcool. Em certo momento, Nick recebe de seu vizinho um convite inesperado para comparecer a uma de suas festas, deixando-o curioso acerca do interesse repentino do milionário por ele. Logo entendemos o motivo: sua paixão pela jovem Daisy Buchanan, prima de Nick. Gatsby acredita ser possível recuperar o tempo perdido e reconquistar seu amor da juventude, que na época não pôde acontecer. Após lutar na Primeira Guerra Mundial, ele retorna rico, acreditando que, por sua ascensão, teria uma chance com a mulher de sua vida. Mesmo que a diferença de classe social deixe de ser um problema, o status civil de Daisy ainda era um obstáculo: nos anos em que Gatsby esteve ausente, Daisy casara com um dos homens mais ricos e poderosos do país, Tom Buchanan.
Sem poder se aproximar diretamente, Gatsby iniciou uma temporada de festas gigantescas e extravagantes, sempre na esperança de que seu interesse romântico decidisse aparecer, o que nunca aconteceu. O amor obsessivo do personagem por Daisy acaba por se tornar sua ruína.
A imagem de Gatsby se torna uma lenda, pois, ainda que muitas festas aconteçam em sua mansão, ele é visto raramente pela vizinhança, que passa a criar boatos sobre o homem misterioso. Ninguém sabe verdades a seu respeito, nem mesmo Nick. O trabalho de Gatsby nunca é revelado na história, apesar de que alguns boatos apontavam para o fato de que ele era um contrabandista de bebidas alcoólicas - o que era um crime na época, pois a Lei Seca estava em vigor nos Estados Unidos. Era evidente, porém, que lidava com negócios ilícitos.
A história ganhou cinco adaptações até hoje, sendo quatro para o cinema e uma para a televisão. A primeira é de 1926, a segunda de 1949, e, a mais conhecida, de 1974, dirigida por Jack Clayton, com roteiro de Francis Ford Coppola, contando com Robert Redford e Mia Farrow interpretando Gatsby e Daisy. O filme mais recente foi lançado em 2013, e tem Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire e Carey Mulligan no elenco principal, sendo uma adaptação bem fiel ao livro e transmitindo muito bem toda a grandiosidade da história. Só para ter uma dimensão do luxo representado no filme: 1700 peças foram usadas para compor o figurino.
Se você tem dificuldade para ler clássicos, isso provavelmente não vai acontecer aqui, por se tratar de um livro mais recente e, por consequência, a linguagem não ser tão complexa. O grande Gatsby critica o Sonho Americano e o estilo de vida estadunidense, e Gatsby representa o self made man, que ascendeu na vida por conta própria. A obra de Fitzgerald aponta julgamentos, e retrata a vida de aparências e a hipocrisia da alta classe. A história tem um final inesperado e chocante que não agrada a todos, mas que certamente surpreende.
Adoráveis mulheres (2019)
Mulherzinhas, clássico não muito conhecido no Brasil, foi encomendado para a autora Louisa May Alcott por seu editor, que queria um livro que fizesse sucesso entre meninas. Com sua primeira parte publicada em 1868, a obra foi o sustento da família da autora. Após pedidos dos fãs, que estavam curiosos em saber mais sobre a vida dos personagens, Louisa trouxe a segunda parte do livro: Boas esposas, em 1869. A história ainda recebeu mais duas sequências: Homenzinhos (Little men), publicada em 1871, e Os meninos de Jo (Jo’s Boys), de 1886.
O romance de formação narra a história das irmãs March: Meg, Jo, Beth, e Amy durante a Guerra Civil Americana. Meg é a mais velha e a que sempre cuida das irmãs; Jo é a mais destemida, teimosa e sempre com ideias revolucionárias; Beth ama música e é a mais doce das irmãs; Amy é a caçula da família, ama desenhar, além de ser muito ambiciosa, e, por muitas vezes, mimada. Embora unidas, as irmãs March mostram suas personalidades completamente distintas, com sonhos muito diferentes, que se dividem entre o amor, a liberdade e a carreira. O livro não é repleto de acontecimentos e reviravoltas, já que a narrativa é focada no desenvolvimento das personagens, na vida doméstica e no dia a dia das meninas. O papel da família aqui é fundamental, principalmente da figura materna, que é a ''fonte de sabedoria'' das jovens, sempre ensinando os caminhos certos a seguir.
O romance semi-autobiográfico foi bem audacioso para a época em que foi lançado e, embora seu ambiente familiar tenha feito com que de início a obra fosse recebida como uma história "açucarada", assim como as de Jane Austen, toda a força da autora é percebida na personagem Jo. Louisa May Alcott alcançou grandes feitos. Ela foi a primeira mulher a votar em sua cidade na década de 1870, em Concord, Massachusetts, além de ter sido uma das primeiras mulheres a realmente ganhar dinheiro com literatura.
Mulherzinhas foi adaptado pela primeira vez em 1912, em uma peça de teatro, sendo montada na Broadway. A história também foi levada ao cinema por diversas vezes, destacando as versões de 1949, 1994 e 2017. O filme mais recente foi lançado em 2019, e reuniu grandes nomes da atuação como Meryl Streep, Laura Dern, Saoirse Ronan, Timothée Chalamet, Florence Pugh e Emma Watson, ganhando o Oscar de Melhor Figurino. No Brasil, o filme foi traduzido como Adoráveis mulheres para fugir do tom pejorativo da palavra ''mulherzinhas''.
É preciso estar ciente do tom moralista em alguns momentos da narrativa e, ainda que Louisa colocasse algumas transgressões aos costumes da época em seu romance, a pressão de seu próprio editor e dos fãs foi tanta que a autora precisou mudar o destino de suas heroínas para dar aos leitores um final mais "adequado". Mulherzinhas é um livro para aqueles que gostam de acompanhar lentamente os personagens através das descobertas e dificuldades da vida. De qualquer forma, esperamos que você não precise colocá-lo no congelador.
Referências
- Romeu e Julieta (William Shakespeare)
- Sonho de uma noite de verão (William Shakespeare)
- Orgulho e preconceito (Jane Austen)
- Mulherzinhas (Louisa May Alcott)
- "Mulherzinhas" do século XXI (O Globo)
- Autora de "Mulherzinhas" era radical e não gostava de histórias com meninas (Folha de São Paulo)
- A Midsummer Night's Dream (Shakespeare birthplace trust)
- "O Grande Gatsby" cria retrato amargo do sonho americano (Folha de São Paulo)
Arte em destaque: Mia Sodré
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