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A comédia romântica na Old Hollywood


Quando se fala em comédia romântica, muitas vezes o público se recorda instantaneamente de Um lugar chamado Notting Hill, As patricinhas de Beverly Hills ou 10 coisas que eu odeio em você, três grandes sucessos dos anos 1990. Talvez também passe pela mente alguns sucessos da Netflix, como Para todos os garotos que já amei e A barraca do beijo.

No entanto, a junção de amor e comédia no cinema não é algo dos últimos anos, pelo contrário. Esse fenômeno está muito presente na Old Hollywood, também conhecida como A Era de Ouro do Cinema Americano, referindo-se aos filmes hollywoodianos produzidos durante os anos 1920 até a década de 1960 nos Estados Unidos. Mas você sabe como tudo isso começou?

A comédia e o amor estão no ar 

Por ter suas origens na literatura, é difícil afirmar com precisão também o surgimento da comédia romântica no cinema, mas no teatro muitos consideram William Shakespeare como um dos primeiros artistas a produzir obras com teor romântico e cômico. Tal argumento faz sentido se levarmos em conta que muitos filmes, sendo estes clássicos ou modernos, utilizam a estrutura de Shakespeare para combinar histórias de amor complicadas com um humor de vanguarda. Há diversos filmes românticos baseados nas suas obras teatrais também, como é o caso de Ela é o cara (2006). 

Na década de 1920, já podíamos encontrar as dinâmicas das romcoms em filmes dirigidos por Charles Chaplin e Buster Keaton. Por exemplo, de maneira resumida, Luzes da cidade (1931) conta a história de um homem que se apaixona por uma florista cega e a ajuda a recuperar a visão. Em Sherlock Jr. (1924), o projetista que quer ser detetive é acusado de roubar o relógio de seu sogro e precisa provar sua inocência. Ambas as obras são completamente diferentes das comédias românticas que vemos nos dias de hoje, mas foram cruciais para a ascensão do subgênero.

Luzes da Cidade (1931)

Os filmes, incluindo as comédias românticas, passaram por diversas mudanças estruturais significativas para se adaptar aos anos 1930, quando o cinema passou a ter voz. Com a possibilidade de falas, as romcoms podiam explorar novas formas de serem feitas.

A atriz Katherine Hepburn e o ator Cary Grant foram dois dos mais antigos "queridinhos da América". Eles foram usados como símbolo das comédias românticas dos anos 1930 e 1940. Nas décadas seguintes, alguns outros artistas se destacaram em clássicos que são lembrados até hoje, como Audrey Hepburn, Marilyn Monroe e Gregory Peck

Dos anos 1950 ao início dos 1970, temos a comédia sexual. Nessa época, os filmes se concentravam nas diferenças entre os homens e as mulheres. Muitas vezes os conflitos das histórias começavam com os protagonistas sendo rivais, seja no âmbito profissional ou não, e frequentemente levados a entrar em uma competição que levava ao surgimento de uma tensão sexual entre os dois. As comédias clássicas de batalhas dos sexos incluem títulos como Desk set (1957), Lover come back (1961) e Battle of the sexes (1960).

Essas mudanças de tom nos filmes, em comparação com as obras das décadas anteriores, aconteceram por várias razões:

  1. a pesquisa sexual feita por Alfred Kinsey, que abriu a conversa de que as mulheres têm desejos sexuais e fazem sexo antes do casamento;
  2. a revista Playboy teve sua primeira edição em 1953, e isso deu aos homens matérias com guias para desenvolver relacionamentos com as mulheres;
  3. a criação do sistema de classificação, que possibilitou menos censura nos filmes. 

Todos esses elementos reunidos explicam o impulso no crescimento das comédias sexuais.

A revolução sexual dos anos 1960 levou ao que alguns chamam de “comédias românticas radicais” na década seguinte. As pessoas pararam de ver as comédias românticas como antes. Homens e mulheres tinham mais liberdade para falar sobre sexo e relacionamentos, o que levou a novos filmes que perguntam se o amor verdadeiro existia ou não. O "felizes para sempre" não era obrigatório em uma comédia romântica radical. Filmes como Annie Hall (1977) focaram na felicidade pessoal, nas necessidades de si mesmo e na percepção de que o amor romântico não resolve todos os problemas da vida.

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977)

Temos também as comédias românticas neotradicionais. Esses filmes são o oposto da comédia romântica radical porque focam na compatibilidade entre os protagonistas e não enfatizam o sexo. O amor é transparente e compromissos são feitos em ambos os lados para fazer o relacionamento funcionar. Muitas vezes há momentos auto-referenciais que acenam para as comédias românticas do passado, como em Tarde demais para esquecer (1957) em Sintonia do amor (1993), por exemplo. Os filmes modernos desse gênero continuam até hoje; Descompensada (2015) pode ser facilmente considerado como uma comédia romântica neotradicional.

Com o quase fim da Old Hollywood, os anos 1960 e 1970 representam o renascimento de Hollywood. Os filmes dessas décadas questionam as regras, apresentam novas visões do mundo e dialogam com a juventude. As mudanças de pensamento da época afetaram também o cinema de comédia romântica; um bom exemplo disso é a obra A primeira noite de um homem (1967).

Nos anos 1980, os adolescentes passaram a ser representados nas telas com mais frequência, o que desencadeou um público-alvo diferente das décadas anteriores. Algumas das obras mais famosas dos anos 1980 são Gatinhas e gatões (1984), A garota de rosa shocking (1986), Namorada de aluguel (1987), Dirty dancing (1987) e Harry e Sally: feitos um para o outro (1989).

Na década de 1990, diversas comédias românticas estiveram entre as maiores bilheterias. Vários atores e atrizes de Hollywood ficaram marcados como os reis e rainhas das romcoms, como Julia Roberts, Meg Ryan, Hugh Grant e outros. Alguns dos filmes mais marcantes dessa década são Uma linda mulher (1990), Sintonia de amor (1993), O casamento do meu melhor amigo (1997), Mensagem para você (1998) e Shakespeare apaixonado (1998).

5 recomendações de comédias românticas clássicas 

Para os leigos no assunto comédias românticas mais antigas, alguns títulos são indispensáveis e também ótimas escolhas para começar a conhecer grandes clássicos. Segue abaixo cinco recomendações de romcoms que marcaram suas épocas e influenciaram futuros filmes do mesmo gênero.

Aconteceu naquela noite (1934)

Aconteceu naquela noite (1934)

Dirigido por Frank Capra, a obra conta a história de Ellie Andrews (Claudette Colbert), a filha de um milionário que foge de casa depois que seu pai não permite que ela se case com seu pretendente. Nessa fuga, ela encontra Peter Warne (Clark Gable), um jornalista desempregado, porém muito charmoso, e os acontecimentos que seguem farão com que os dois se aproximem mais e mais.

It happened one night foi o primeiro filme da história a conquistar as cinco categorias mais importantes do Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator, Melhor Atriz e Melhor Roteiro.

Levada da breca (1938)

Dirigido por Howard Hawks, somos apresentados à história de David Huxley (Cary Grant), um paleontólogo que quer agradar a seu oponente para ganhar uma doação de 1 milhão de dólares ao museu onde trabalha. Até que ele conhece Susan Vance (Katharine Hepburn), uma rica herdeira muito mimada e completamente inconsequente que quer se casar com ele. Mas para isso, ela acaba transformando a vida do homem em um inferno.

Bringing up baby é considerado um grande representante da comédia maluca (ou "screwball comedy", em inglês), um gênero hollywoodiano muito popular nas décadas de 1930 e 1940. A comédia maluca se baseia em farsas, momentos pastelão e diálogos espirituosos. Os filmes desse gênero geralmente contêm uma batalha de sexos na qual os protagonistas tentam enganar um ao outro.

Sabrina (1954)

Sabrina (1954)

Triângulos amorosos também eram muito famosos e comuns nas romcoms da Old Hollywood. Neste filme, dirigido por Billy Wilder, dois irmãos (interpretados por Humphrey Bogart e William Holden) de uma família poderosa e rica se apaixonam por Sabrina (Audrey Hepburn), a filha do motorista da família.

O filme foi indicado a seis Oscars: Melhor Diretor, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia e Melhor Direção de Arte, mas venceu somente na categoria de Melhor Figurino.

Confidências à meia-noite (1959)

Jan Morrow (Doris Day), uma decoradora, e Brad Allen (Rock Hudson), um compositor, são obrigados a compartilhar uma linha telefônica. Jan fica bastante irritada com o tempo que Brad gasta conversando com suas namoradas. Mas ela, sem saber, começa a sair com ele, que planeja conquistá-la fingindo ser outra pessoa.

Pillow talk é dirigido por Michael Gordon e foi indicado a quatro Oscars: Melhor Atriz, Melhor Direção de Arte, Melhor Trilha Sonora e Melhor Roteiro Original, saindo como vencedor somente na última categoria citada.

Alô, Dolly! (1969)

Alô, Dolly! (1969)

Musicais também são destaques nas comédias românticas. Nesse filme dirigido por Gene Kelly, temos a história de Dolly Levi (Barbra Streisand), uma viúva casamenteira que foi contratada com o objetivo de arrumar uma noiva para um cliente milionário, mas Dolly acaba se apaixonando por ele. O homem, por sua vez, se interessa por uma chapeleira. Então, para não perdê-lo, Dolly tenta fazer a chapeleira se apaixonar por um empregado do seu cliente.

Hello, Dolly! teve sete indicações ao Oscar: Melhor Filme, Melhor Fotografia, Melhor Edição, Melhor Figurino, Melhor Trilha Sonora, Melhor Som e Melhor Direção Artística, saindo como vencedor somente nas três últimas categorias citadas.

Apesar dos anos 1980 e 1990 terem ótimos títulos de romcoms, muitos clássicos da Hollywood acabam sendo deixados de lado nas maratonas, mas tais obras também nos dão a oportunidade de sentar em um sofá, pegar um pote de sorvete e nos emocionarmos enquanto você está solteira e sem esperanças de encontrar um amor. As comédias românticas são um espelho da sociedade em que vivemos; no momento em que um filme é criado, ele mostra os sentimentos gerais da sociedade sobre o amor. E embora o gênero tenha assumido formas diferentes ao longo dos anos, há uma coisa que sempre permaneceu nas obras: somos uma sociedade que acredita no amor, ou ao menos tenta. 

Referências 

  • A Brief History of Romantic Comedies (Shanna Yehlen)
  • A história das comédias românticas nos últimos 100 anos (Yasmine Evaristo)
  • A origem das comédias românticas no cinema! (Guilherme Salomão)
  • Comédias românticas: o tipo de filme que conquista os corações (TYNECINE)


Sharline Freire
Estudante e leitora voraz de fanfics, assiste filmes e séries mais do que deveria e escuta músicas dos anos 40. Parece fria e séria, mas já chorou escrevendo sobre Sherlock Holmes e John Watson na internet.

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