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Os vampiros de Anne Rice


Entrevista com o Vampiro é um livro escrito por Anne Rice e publicado em 1976, sendo instantaneamente fruto de grande sucesso. O nome é auto-explicativo: o vampiro Louis de Point du Lac conta sua história a um jovem jornalista, uma história que envolve também o ousado Lestat e a pequena Claudia. Mais tarde, o livro seria sucedido por diversas sequências (As Crônicas Vampirescas), e em 1994, Entrevista com o Vampiro ganhou uma adaptação cinematográfica, dirigida por Neil Jordan, com o roteiro da própria Anne Rice. 

A história começa com Louis contando sua vida fatídica a um repórter sem nome. Em 1791, Louis era apenas um jovem dono de plantações na Louisiana, mas que era infeliz por conta da morte de seu irmão. Nesse cenário, o vampiro Lestat de Lioncourt encontra Louis e o transforma em vampiro, e os dois se tornam companheiros. Mais tarde, mais uma integrante entra para a “família”: a criança Claudia, de apenas 5 anos, transformada em vampira e destinada a nunca crescer. 

Anne Rice não imaginava que o livro que estava criando revolucionaria a ficção sobre vampiros como a conhecemos hoje - muito mais do que simples monstros do terror, a partir de Entrevista com o Vampiro eles se tornaram seres com seus próprios pensamentos, morais e personalidades. Pode não ter sido talvez a primeira narrativa representando vampiros desta forma, mas ela com certeza foi a primeira que obteve sucesso instantâneo, sendo hoje um verdadeiro clássico do vampirismo que inspirou diversas outras produções. Unindo uma atmosfera gótica com muitos questionamentos filosóficos, Anne Rice criou um psicológico para o vampiro, ser que antes servia apenas para atormentar os mocinhos das histórias. 

Anne Rice

Anteriormente, o vampiro era aquele idealizado por Bram Stoker, o criador de Drácula: um predador solitário, despertando o ódio de caçadores de vampiros que vão à sua procura. Até mesmo um ano antes da publicação de Entrevista com o Vampiro, Stephen King retratou esse estereótipo com o livro Salem, descrevendo os vampiros como seres horripilantes e monstruosos que não possuíam humanidade. Mas em 1976, Anne Rice se atreveu a quebrar as narrativas vampíricas como eram conhecidas e a mostrar o vampiro não mais como mero antagonista desumano, mas como o protagonista de sua história. Os vampiros de Anne dormem em caixões e sugam sangue, mas também vivem sob sua própria cultura diferenciada, que não se baseia somente no instinto - eles possuem seu próprio mundo, mesmo dentro do nosso. 

"Se tivessem me perguntando então, teria lhe dito que era estética, que pretendia compreender a morte por etapas. Que a morte de um animal me proporcionava tal prazer e experiência que mal tinha começado a compreendê-la, e desejava resguardar a experiência da morte humana para uma fase mais madura. Mas era moral. Porque, na verdade, todas as decisões estéticas são morais."

Entrevista com o Vampiro foi muito mais do que um simples livro sobre vampiros para Anne Rice. Lidando com a morte da filha, perdida para a leucemia, Rice expressou muitas de suas angústias do processo de luto na escrita. Muito desse luto pode ser visto na personagem Madeleine, que sofre com a perda da filha e tenta recriá-la nas diversas bonecas que produz, depois se afeiçoando à Claudia, uma criança que nunca envelhecerá ou morrerá. 

Além disso, é possível interpretar o vampirismo das personagens de Rice como metáfora para diversos assuntos importantes, como a AIDS, o vício em drogas e a homossexualidade. A imagem do vampiro, ao longo de sua história, simbolizou inúmeros tabus que puderam ser expressados e desenvolvidos em sua ficção, por conta da natureza rebelde e transgressora desses seres. 

Entrevista com o Vampiro (1994)

Por mais fora do padrão humano que sejam, os vampiros de Rice também podem formar estranhas relações familiares. O diretor da adaptação de 1994, Neil Jordan, contou: 

“De muitas maneiras, estou contando a história de uma família profundamente disfuncional, exceto que a unidade familiar aqui são dois vampiros, Lestat e Louis, e sua filha ‘adotiva’ Claudia.”

O leitor conhece os acontecimentos do livro pela visão de Louis, afogado na melancolia de sua vida. Mesmo quando humano, Louis sofreu terrivelmente com a culpa que sentia pela morte do irmão; culpa essa que se estendeu para sua vida como vampiro, perturbado por ter de causar dor às outras pessoas. Ao se tornar vampiro, Louis busca por respostas quanto à sua condição e procura um sentido para viver, inclusive se alimentando por um tempo apenas de animais; o bem e o mal duelam em seu ser. Ele reluta em deixar sua humanidade para trás, mas a acaba perdendo mesmo assim. 

" – Louis! –  disse. – Você está apaixonado por sua personalidade mortal! Busca os fantasmas de seu eu anterior. Freniere, sua irmã… são imagens daquilo que você era e ainda deseja ser. E em seu romance com a vida mortal, está morto para a personalidade de vampiro!"

Como explicar Claudia, a vampirazinha? Condenada a viver o resto da vida em um corpo que nunca crescerá, Claudia é uma espécie de “menino perdido” do mal, de Peter Pan. Privada de ser uma criança humana, Lestat a transforma em vampira como um verdadeiro golpe da barriga, obrigando Louis a não deixá-lo para criar a menina. Por mais que seu corpo nunca envelheça, sua mente atinge a maturidade, com características similares aos dois vampiros  - o que gera conflito com Lestat, que está longe de ser um “pai” minimamente ideal. É o colapso da família de vampiros, que já não era muito normal - conforme Claudia amadurece, sua relação com Louis se torna mais romântica do que familiar. “Pai e filha, amante e amante”, é a descrição de Louis da própria relação incomum com Claudia. Sem repúdio às práticas vampirescas e com total influência sobre Louis, Claudia consegue sempre tudo o que quer ao longo da trama. 

Diferentemente da relação de Louis e Claudia, a relação dos dois com Lestat é completamente turbulenta. Sempre incitando caos aonde quer que passava, Lestat movimenta Entrevista com o Vampiro com seu jeito ousado e sem remorso - ele é um verdadeiro vampiro. Lestat vai atrás de seus prazeres e vontades, ao contrário do jeito reprimido de Louis, e por isso se torna objeto de ódio. Por mais que muitas vezes ele pareça realmente sádico, Lestat não deixa de ser um predador que aceitou sua condição buscando se manter alimentado; mas que não deixa de ser humano, com seu comportamento permeado pela satisfação do ego. 

"O vermelho neste corpo parecerá mais vermelho, as rosas do papel de parede parecerão incrivelmente delicadas. E será assim que perceberá a lua ou o brilho de uma vela. E com a maior sensibilidade você verá a morte em toda sua beleza,  a essência da vida só conhecida no momento da morte. Compreende isto, Louis? Somente você, dentre todas as criaturas, é capaz de ver a morte deste modo impunemente. Você… somente… sob a luz da lua… pode fulminar como a mão de Deus!"

Também somos introduzidos a Armand, um vampiro de 400 anos que desesperadamente procura algo novo em um mundo onde já viveu de tudo. Armand conta sobre o tédio e a incapacidade do vampiro de continuar vivendo e se adaptando à arma veloz do tempo. Ele é atraído pela humanidade presente em Louis, pois já não sabe mais o que é isso.

"[...] Quando, na verdade, tudo muda, exceto o próprio vampiro. Tudo, a não ser o vampiro, está sujeito a corrupções e distorções constantes. Em pouco tempo, com uma mente inflexível, e geralmente mesmo para as mentalidades mais flexíveis, esta imortalidade torna-se uma sentença a ser cumprida num asilo de vultos e formas inexoravelmente incompreensíveis e sem valor."

Em certa parte do livro, Claudia e Louis conhecem vampiros diferentes, como aqueles dos estereótipos monstruosos de Stephen King e de outros autores do gênero. É a verdadeira colisão do antigo vampiro com o novo, revolucionário, difundido por Rice. Louis e Claudia percebem que não sabem quase nada da própria condição, e é assim que o leitor se sente ao abrir Entrevista com o Vampiro, sendo apresentado a um novo paradigma não havia explorado anteriormente. 

Os vampiros de Anne Rice têm dimensões e complexidades. Eles podem ser cruéis, apaixonados, sofredores, amigáveis etc., e cada um vê o mundo de sua maneira. Podem buscar poder assim como viver na invisibilidade. Com a narrativa poética de Rice, as individualidades de cada personalidade do livro são descritas de maneira muito bela. A história é repleta de erotismo e de uma atmosfera gótica, trazendo uma ambientação impecável. A narrativa é obscura e prende o leitor, o levando a sentir a dor do personagem principal e suas emoções potencializadas. Drama, dor e sensualidade são as palavras-chaves para a obra, e o embate entre a vida e a morte faz qualquer um ficar fascinado pelo universo de As Crônicas Vampirescas

"A grande aventura de nossas vidas. Qual o significado da morte quando se pode viver até o fim do mundo? E o que é 'o fim do mundo' além de uma frase, pois quem sabe, ao menos, o que é o mundo? Já vivi dois séculos, vi as ilusões de um serem transferidas para outro, sendo eternamente jovem e eternamente velho, sem possuir ilusões, vivendo cada momento de um modo que me fazia pensar num relógio de prata tiquetaqueando no vazio: o painel pintado, os ponteiros delicadamente esculpidos por mãos jamais vistas por alguém, sem olhar para ninguém, iluminado por uma luz que não era luz, como aquela sob a qual Deus fez o mundo antes de criar a luz. Funcionando, funcionando, funcionando, com a precisão de um relógio, em uma sala tão vasta quanto o universo."

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