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O que A Pata do Macaco, de W. W. Jacobs, segura em suas garras?


Longos livros e filmes de terror costumam ser marcantes das mais diversas formas. Seja pelos sustos, a inventividade de suas histórias ou pelo absurdo das situações colocadas, este é um gênero narrativo que nunca parece ter deixado de ser popular. Mas nada é mais inesquecível que um conto de terror que nos marca pelo seu poder amedrontador em poucas páginas. Este é o caso de A Pata do Macaco, de W.W. Jacobs, para a redatora que aqui vos fala.

Escrito e publicado em 1902, o conto inspirou dezenas de outras obras de terror (como Cemitério Maldito, de Stephen King), e se trata da seguinte história: em uma noite fria e chuvosa, a família White se reúne na sala de sua mansão isolada para um jogo de xadrez entre pai, mãe e filho, enquanto aguardam por uma visita que parece que não será capaz de vir ao local. Quando eles finalmente são surpreendidos pela chegada do convidado, o sargento-mor Morris, um soldado que acabara de retornar de uma longa estadia servindo na Índia, este lhes conta, com bastante relutância quando questionado, sobre uma pata mumificada de macaco que estava carregando consigo, e que dizia-se haver sido enfeitiçada por um homem santo que queria provar que a vida é regida pelo destino, sem poder sofrer interferências, caso contrário haveria consequências. O estranho amuleto poderia ser usado por até três homens, e cada um podia fazer o total de três pedidos para ele.

W. W. Jacobs

A família White fica bastante intrigada, mas, tendo sido ele mesmo o segundo dos três possíveis usuários da pata, o sargento Morris tenta fazer de tudo para desconversar e fazê-los se desinteressarem pelo objeto, jogando-o no fogo da lareira da sala de estar para queimá-lo e revelando até mesmo que o primeiro portador do artefato havia falecido ao desejar sua própria morte. Porém sem sucesso em diminuir a curiosidade dos anfitriões, a pata acaba sendo tomada pelo patriarca da família White, que se torna seu novo dono. Ele é então avisado pelo sargento para ser prudente ao usá-lo, desejando somente algo razoável, e Morris vai embora em seguida.

Ao pensarem no que poderiam pedir à pata, ocorre aos membros da família White de pedirem um punhado de dinheiro - cerca de 200 libras - para que pudessem quitar o pagamento de sua casa e se livrarem dessa dívida. O pedido enfim é feito, e a pata se move repentinamente como se tivesse ganhado vida num passe de mágica. O pequeno evento os pega de surpresa, mas visto que nenhum dinheiro parecia ter surgido à sua frente, o trio começa a se retirar para dormir. Logo antes disso, no entanto, Herbert, o filho da família White, parece ver e sentir algo estranho no escuro vindo da pata ao pegá-la brevemente sem querer.

Na manhã seguinte, tudo parece normal, e ainda sem qualquer sinal do dinheiro desejado, as advertências do sargento Morris na noite anterior deixam de ser levadas tão a sério. Algum tempo depois de o filho se ausentar para ir ao trabalho naquele mesmo dia, a matriarca da família White percebe a presença de um homem que rodeia a entrada da mansão, parecendo hesitante em se aproximar. Quando ele por fim é recepcionado pela sra. White para dentro de casa, o homem lhe entrega a pior das notícias: Herbert sofrera um acidente durante o trabalho e não resistiu aos ferimentos. Estava morto. Entretanto, como indenização pelos serviços prestados por seu filho, a empresa daria aos White uma soma de 200 libras - exatamente a mesma quantia solicitada para a pata do macaco uma noite antes.

Devastados, o luto toma conta dos remanescentes da família que uma vez já foi feliz. Uma semana depois, no meio de mais uma noite fria, a sombra da perda do filho se torna tão insuportável que a sra. White toma a súbita decisão de pegar a pata novamente e desejar dessa vez para que Herbert volte à vida, já que ainda lhe restavam dois pedidos a serem feitos. Horrorizado e se sentindo incapaz de lutar contra o desespero da esposa, o sr. White cede às suas súplicas e faz o pedido à pata, mas não demora muito para que o arrependimento bata logo depois, quando o casal passa a escutar batidas na porta de casa. Certa de que é Herbert quem faz o barulho por ele ter sido enterrado não muito longe dali, a mãe é acometida por uma inquietação frenética para deixá-lo entrar, a que o pai se opõe imediatamente, procurando pela pata de forma alucinada até encontrá-la finalmente e fazer seu terceiro e último pedido ao som da tranca se abrindo.

Não há nada além de silêncio depois. E é assim que se encerra a narrativa do conto. Simples, rápida e impactante. Mas de que tal maneira se dá esse impacto no texto?

Se o enredo de A Pata do Macaco lhe pareceu familiar de alguma forma, é porque a sua mensagem final se apropria do clássico ditado popular que diz "Cuidado com o que você deseja", o qual serviu também de introdução para o conto em sua publicação original. Além disso, acredita-se que a ideia de W.W. Jacobs com sua escrita foi tecnicamente a de fazer uma releitura de algumas das diversas histórias de As Mil e Uma Noites, em particular a de Aladdin e Sua Lâmpada Maravilhosa, e esta inspiração chega até mesmo a ser mencionada pelos personagens em um determinado momento do texto de Jacobs.

Embora as ambientações de cada uma sejam distintas - Aladdin em alguma região do Oriente Médio ou sul da Ásia e A Pata do Macaco na Inglaterra - as relações são bastante claras: em ambas as histórias, temos a existência de artefatos mágicos que são capazes de atender até três desejos, com consequências drásticas que são imbuídas de significado moral sobre os perigos da ganância e da ambição desenfreada. Estes temas permeiam A Pata do Macaco de diversas formas, e acabam sendo explorados desde o primeiro desejo da família White pelas 200 libras, até a uma hipótese lançada pelo sr. White ao sargento Morris a respeito da possibilidade de se pedir mais três desejos para a pata.

Ilustração de Aladdin por Edmund Dulac

Um ponto interessante de se observar no conto de Jacobs também, no entanto, considerando a influência de As Mil e uma Noites na sua gênese e que ele fora escrito durante um período histórico muito representativo do auge do colonialismo do Império Britânico, é o fascínio pelo "exotismo" do estrangeiro, representado aqui pela Índia, que à época era uma colônia inglesa.

Tendo passado muitos anos como soldado no país colonizado, a curiosidade da família White em querer saber mais sobre todos os detalhes culturais incomuns a eles do tempo do sargento-mor Morris por lá é o fator provocador para que a pata mumificada lhes seja apresentada, como podemos verificar no seguinte trecho do conto:

"Ao terceiro copo seus olhos ficaram mais brilhantes e ele (Morris) começou a falar, o pequeno círculo familiar observando com intenso interesse esse visitante de longe, a acomodar os ombros largos na poltrona e discorrer sobre incidentes estranhos, feitos de valentia, guerras, calamidades e povos esquisitos.
[...]
- Eu gostaria de ir à Índia - disse o velho (Sr. White) - só para ver um pouco do mundo, sabe.
- Melhor aqui onde está - disse o sargento-mor balançando a cabeça. Baixou o copo vazio, suspirou baixinho e sacudiu a cabeça de novo.
- Eu gostaria de ver aqueles templos antigos, os faquires e malabaristas - disse o velho. - Como era aquilo que você começou a me contar outro dia sobre a mão do macaco ou algo assim, Morris?"

É nítida a idealização fantástica criada no imaginário do sr. White - um inglês muito provavelmente branco, como bem já diz seu sobrenome - a respeito do país indiano. A descrição específica de "guerras, calamidades e povos esquisitos" também reforça em seu subtexto o medo ocidental do desconhecido e a falsa ideia de "selvageria" associada a terras e grupos étnicos diferentes, e que aqui também pode ser associada indiretamente à própria pata, já que ela não vem de uma criatura qualquer, mas sim de um macaco, um animal primitivo que vive na selva (e que, inclusive, é considerado sagrado na Índia).

Adicionalmente, em um artigo acadêmico chamado "Cultural Distortion in Horror Narrative of 'The Monkey's Paw'", o autor chinês Yuan Yue, formado em Línguas Estrangeiras, conclui que ainda que Jacobs não tenha feito em seu conto "uma confissão explícita de agressão cultural, ele se aproveita artisticamente da distorção de elementos culturais em prol de sua narrativa de horror", o que por sua vez acaba por criar algumas noções figurativas potencialmente negativas.

Isso se conecta a um próximo ponto, que por outro lado já é muito mais evidente na prosa de Jacobs, e é aquilo que de fato torna a construção da atmosfera de terror de A Pata do Macaco tão efetiva: o uso constante da descrição de imagens simbólicas ao longo do texto. Embora elas não sejam descrições detalhadas do tipo mais "tolkieniano", elas são diretas e visuais o suficiente para ativar a nossa imaginação, sempre muito mais propensa a nos fazer extrapolar mentalmente os possíveis riscos de uma situação ameaçadora quando não temos certeza de quais são os limites desses riscos. Ou seja, há aqui também um aspecto psicológico.

Podemos sentir a constituição dessas imagens muito vividamente após a morte de Herbert, por exemplo. Quando os White recebem sua notícia, o mensageiro dela não cita os pormenores do acidente ocorrido com o filho, mas ressalta informações expositivas como "seriamente ferido" e "preso nas engrenagens da máquina". Explicações de como foram esses ferimentos, qual era exatamente essa máquina e como todo o evento se desdobrou ficam por conta da nossa própria habilidade de presunção. O ápice disso é atingido durante o grande clímax do conto, começando quando a sra. White tenta convencer o marido a pedir que a pata traga Herbert de volta, ao que ele responde:

"- Ele está morto há dez dias e além disso... Eu não queria contar para você, mas... só reconheci nosso filho pela roupa. Se era terrível demais de se olhar naquele momento, como será agora?"

A fisionomia subentendida desse filho desfigurado acentua o terror do momento em que o velho casal passa a ouvir os barulhos na porta de casa, já que eles acreditam ser Herbert ressuscitado o causador do som ao tentar entrar. Como o sr. White consegue fazer seu último pedido antes da porta abrir, o texto não confirma se aquele era mesmo o seu filho ou não, mas, se de fato o fosse, não há dúvidas de que eles teriam alguma visão perturbadora. Ou ao menos o conto certamente não precisa nos mostrar a aparência de Herbert para essa visão já surgir para nós leitores.

Ilustração de A pata do macaco por Maurice Greiffenhagen (1902)

Pensando inclusive no trajeto do filho morto vindo de seu túmulo em direção à casa, a descrição da localização da mansão dos White também ajuda a criar uma ambiência hostil desde o início da história:

"- Isso é o pior de se viver tão isolado - vociferou o sr. White, com uma súbita e inesperada violência. - De todos os lugares bestiais, lamacentos, fora de mão para se viver, este é o pior. O caminho é um pântano e a estrada uma torrente. [...] Só duas casas da estrada estão ocupadas [...]."

Essas imagens simbólicas também se encontram de outras formas relevantes em A Pata do Macaco, como na figura repetida do número três em elementos diversos do texto. Temos aqui três desejos, três diferentes donos da pata, três membros na família White, a citação do som de exatas três batidas na porta durante a cena final, e a estruturação do conto em três pequenas partes, criando assim uma espécie de superstição em torno desse número.

Outras palavras e características que se aliam de alguma forma ao conceito de morte também aparecem por vezes, geralmente em referência aos membros da família White. O casal de pai e mãe são frequentemente descritos como "velhos", e, portanto, estariam mais próximos do fim da vida. A narrativa também dá a entender que eles já haviam perdido algum outro filho para a morte antes do óbito de Herbert. E a própria morte eminente deste último é prenunciada em algumas linhas antes do acidente acontecer:

"Herbert ficou sentado sozinho no escuro, olhando o fogo que morria e vendo rostos nele."

Diante disso tudo, é de surpreender quando se descobre que antes de escrever A Pata do Macaco, W.W. Jacobs era mais conhecido pela sua escrita humorística. Porém é por este conto que hoje ele é mais lembrado. Eu mesma, a redatora, nunca o esqueci. Li este conto como parte de uma coletânea de histórias curtas de terror para a escola, quando ainda estava na segunda metade do ensino fundamental. Naquela época, nunca havia lido um conto de terror antes. Mas a pata se agarrou ao meu imaginário e ao de milhares de outros leitores desde então. E ela não se largou mais do gênero de horror através de sua moral universal.

Referências 

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