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Virginia Woolf e sua existência política no século XX

Virginia Woolf sempre se mostrou à frente de seu tempo. A escrita primordial marcada pelo uso do fluxo de consciência já indicava a intensidade das obras de Woolf, mas, para além da sublime arte com as palavras, a existência da escritora foi, sem dúvidas, uma existência política. E isso torna-se clarividente nos textos reunidos em Profissões para mulheres e outros artigos feministas, publicado pela editora L&PM, na coleção Pocket.

No século XX, eram pouquíssimas as mulheres que conseguiam ter acesso à educação, ao mercado de trabalho e podiam se livrar do fantasma do “anjo do lar”, termo esse reelaborado por Virginia a fim de denunciar o machismo que criou os conceitos de feminilidade e condescendência que teriam de ser seguidos pelas mulheres. A princípio, essa ideia de “anjo do lar” havia sido criada pelo poeta e crítico inglês Coventry Patmore em seu poema, The angel in the house, que idealizava uma relação conjugal perfeita e, basicamente, ditava o papel doméstico das mulheres.

A autora elaborou um texto chamado Profissões para mulheres, que foi lido para a Sociedade Nacional de Auxílio às Mulheres em 1931 e abriu uma discussão muito importante no seguinte trecho: “O que é uma mulher? Juro que não sei. E duvido que vocês saibam. Duvido que alguém possa saber, enquanto ela não se expressar em todas as artes e profissões abertas às capacidades humanas”. Nesse sentido, Virginia Woolf destaca a imprescindibilidade das experiências críticas e profissionais na vida de uma mulher para que ela realmente possa se expressar com liberdade, sem ridicularização e negações de suas próprias opiniões, para que, assim, todos possam saber “o que realmente é uma mulher”.

Ademais, outro ponto considerável a ser destacado, o qual reafirma o epíteto de “uma escritora à frente de seu tempo”, é o enfoque que a escritora dá à importância do questionamento às diferentes realidades, pois, segundo ela, não importe quanto tempo passe, haverá sempre algum percalço a ser enfrentado. Ainda no mesmo texto, Woolf salienta: “Não podemos achar que essas metas estão dadas; precisam ser questionadas e examinadas constantemente”. Desse modo, torna-se clarividente que a luta feminista não para na Conquista do Reconhecimento da Mulher como Cidadã ou na Conquista do Voto Feminino. As lutas mudam de acordo com a época, e não devem ser negligenciadas ou diminuídas. É preciso uma constante análise e problematização da sociedade. 

Já no ensaio intitulado Memórias de uma união das trabalhadoras, escrito para ser o prefácio do livro Life as we have known it, da Cooperativa das Trabalhadoras, podemos destacar como características admiráveis a aversão de Woolf à hipocrisia e a consciência de privilégios em pleno século XX, mais precisamente na década de 1930. Nesse ensaio, a autora realça as diferenças das lutas de cada mulher, determinadas pela classe social de cada uma. Virginia faz questão de enfatizar que ela, muitas vezes, não sabe como é precisar reivindicar algum direito por justamente não tê-lo em falta na sua realidade. E é por esse motivo que ela dá voz a quem realmente sabe o quão difícil é precisar de direitos básicos e não os possuir. A existência dessa grande escritora, certamente, foi um enorme ato político feminista literário. 

E por que “político”? Porque Woolf, literalmente, abalou as estruturas da sociedade literária da época e, como Jane Austen, ela pavimentou o espaço das mulheres na literatura e no trabalho com sua escrita. Um exemplo desse enfrentamento ao machismo pode ser notado nitidamente no ensaio A posição intelectual das mulheres. Desde a antiguidade, o patriarcado acredita que os únicos donos do poderio intelectual são os homens, logo, eles seriam superiores às mulheres, visto que, segundo o escrito em questão – um debate por meio de cartas entre Virginia Woolf e Desmond MacCarthy – este sob o pseudônimo de Falcão Afável – afirma que possuir o poder intelectual é possuir o poder da dominação . Woolf, por sua vez, rebate Falcão Afável com o seguinte trecho e peça-chave de toda a discussão: “Mas o que é necessário não é apenas a educação [que não era ofertada às mulheres]. É que as mulheres tenham liberdade de experiência, possam divergir dos homens sem receio e expressar claramente suas opiniões”. Ou seja, a escritora afirma que essa existência de seres superiores intelectualmente não existe. O que existia era a privação das mulheres ao acesso à educação e à liberdade de expressão, direitos esses que os homens possuíam. Portanto, fica claro o poder da escrita de Virginia Woolf.


Arte em destaque: Caroline Cecin
Laura Ferracini
Futura professora de línguas e apaixonada por Virginia Woolf, mas lê tudo o que lhe prende. Espalhando leituras no interior do interior de São Paulo, ou para os íntimos, Dolcinópolis.

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