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Breaking With Old Ideas: caminhos para uma revolução na educação


Ao longo de 2020, comecei a me interessar pela cultura chinesa. A língua, a economia, a gastronomia e, principalmente, o cinema chegaram a mim pela diferença, pela incapacidade em observar qualquer um desses conceitos com as lentes do ocidente. Tentando entender como culturas tão diferentes e tão ricas nos são negadas por um dado grau de desinteresse, seja individual ou coletivo, procurei me aproximar e acabei descobrindo novos sistemas, ideias e, principalmente, uma nova arte. 

Ao buscar compreender um pouco mais de como chegamos nesse ponto, comecei pelo cinema, afinal, esse sempre foi um dos meus principais interesses. Lembrei que há algum tempo eu havia visto uma discussão no Twitter sobre filmes que falavam sobre a Revolução Cultural, e o autor da postagem havia sugerido apenas obras ocidentais. Alguém surgiu em meio à discussão com a sugestão de um filme que se sabe ser o único - ou um dos únicos - a ser feito na China durante a Revolução Cultural. Acabei guardando a lista para quando estivesse imerso no assunto. 

Breaking With Old Ideas é um filme chinês de 1975 que aborda o momento político da China partindo de uma esfera micro: uma comunidade de camponeses que entram na universidade. É também um filme de mobilização, de grandes discursos e com diversos apontamentos sobre um caminho a ser trilhado pelos trabalhadores a partir dali. É interessante, portanto, abordá-lo com vistas ao cenário político e histórico daquele momento. 

O filme político e seu lugar na ruptura social 


Rescindir com um ideário impregnado é um desafio imediato e inerente a qualquer revolução. Uma vez que a mudança de regime é consolidada, a ação dos policymakers costuma ser o corte de raízes do sistema anterior. Na história da China, essa foi uma movimentação constante, mas nem sempre orientada na mesma direção. Sob a orientação de Mao Zedong, a China passou por diversos momentos importantes no século XX. A Revolução Cultural é um desses momentos de ruptura e reconstrução em que foi retomada a difusão das ideias de Mao entre as classes camponesas após a política do Grande Salto Adiante. 

É no contexto de ruptura com o sistema anterior que Breaking With Old Ideas é centrado. O filme retrata a dinâmica de uma universidade de alunos camponeses em conflito com padrões acadêmicos burgueses. A trama é iniciada quando o Partido Comunista da China convoca Long Guozheng (Guo Zhenqing), um camponês com formação militar superior, para dirigir a Universidade Comunista do Trabalho, em Jiangxi. O conflito começa logo na admissão dos novos alunos. O diretor Long faz questão que os jovens camponeses ingressem na universidade mesmo com formação precária, sem nível suficiente para passar pela seleção. Enquanto isso, demais membros do corpo diretivo da instituição gostariam de manter um dado padrão acadêmico. Long logo deixa claro a quem a universidade deverá servir: aos camponeses proletários de Jiangxi, e não aos padrões acadêmicos burgueses que tinham como princípio justamente restringir essas pessoas do ambiente universitário. 


Uma cena que ilustra a situação é quando, na admissão pública (em que estavam professores e demais camponeses inscritos), Long pergunta se a estudante Li Jinfeng sabe escrever, e ela demonstra a habilidade escrevendo "Mao Zedong nosso libertador", e então é admitida por Long e ovacionada pela multidão. Algo que é notável nesse início é o otimismo que todos ali vivem. As personagens sorriem muito e para tudo; Mao é visto como uma figura quase divina, um profeta a guiar os caminhos dos camponeses. 

Essas imagens vão ao encontro das artes visuais produzidas na China naquele momento. Os tons coloridos puxados para o vermelho e o cotidiano dos trabalhadores felizes com o novo regime ao invés de obras que, segundo os revolucionários, eram mantenedoras das velhas ideias, dos velhos costumes e da velha cultura burguesa. 

Na comunidade em que o filme se passa, o modelo "trabalhar e estudar" proposto naquela universidade agrícola era uma esperança genuína de um enriquecimento social coletivo. Os alunos ali não poderiam buscar uma formação intelectual para conseguirem vantagens no mercado de trabalho ou na própria comunidade (situação que aparece como exemplo no filme e é imediatamente repreendida por ambos os lados). 

O projeto educacional tocado por Long era claro e deveria servir para melhorar a convivência daquela comunidade com a terra, entender o cultivo e resolver problemas relacionados à pecuária e agricultura locais, desenvolvendo a economia do grupo e não de alguns poucos. Long não compreendia como após dez anos da libertação, as estruturas educacionais do antigo regime eram todas mantidas mesmo com a direção do Comitê do PCCh. Ele via um esquecimento das ideias de Mao na prática educacional que era completamente descolada das realidades locais. 

Em dado momento da narrativa, um dos alunos do curso de veterinária confronta o professor sobre o porquê do longo período de tempo dedicado ao estudo do cavalo, mesmo este sendo um animal que não existia naquela região. "Fale menos sobre cavalos e mais sobre porcos e búfalos”, confrontava o aluno. A manifestação do aluno ganhou caráter de movimento dentro da universidade e Long, com apoio dos estudantes, começa a encampar o projeto de reforma no modelo educacional que era estabelecido. 

Na aula em que aprenderiam a teoria sobre o cultivo de arroz, Long os tira da sala e os leva para os arrozais para aprenderem na prática as técnicas de plantio. Ele repetia a todo momento que o modelo burguês de ensino separa o estudo da prática e aliena a consciência social dos alunos. A preocupação de Long era a criação (vinda de dentro do próprio Partido) de uma tecnocracia burguesa que futuramente poderia atentar contra os interesses da classe trabalhadora. O ativismo de Long acaba perturbando o comitê do Partido, que o envia para uma viagem a uma tecnológica universidade agrícola mais ao centro do país com o propósito de o fazer conhecer o que o comitê considera uma verdadeira estrutura de ensino. No entanto, a viagem apenas reforça o pensamento de Long visto que lá ele encontrará a confirmação de todas as suas hipóteses. A anedota que o esclarece é dada por uma senhora em idade avançada e vinda de um vilarejo humilde que estava indo visitar o filho que cursava o terceiro ano da graduação. Contudo, quando essa senhora chega à universidade, ela encontra um filho completamente diferente do que aquele que deixara o vilarejo. Após três anos, o menino se intitula um intelectual, nega todos os presentes feitos a mão que a mãe o levava, veste-se como um burguês e demonstra repulsa pelo vilarejo de onde veio. 

Enquanto Long voltava de viagem, os alunos colocavam em prática o que aprenderam com o diretor. Liderados por Li Jinfeng, eles faltaram no dia da prova, pois foram ajudar a comunidade a exterminar uma praga que estava prestes a destruir as plantações locais. Esse triunfo da educação alinhada à comunidade defendida por Long e posta em prática pelos alunos sobre a educação padronizada e representante do antigo regime é o ápice que encaminha a narrativa para o desfecho. A dualidade entre o bem e o mal é explícita, o que assegura um caráter de manual para a obra. 

Por ser um retrato politizado e mobilizador de uma época, o didatismo é a tônica: as tramas levam para um mesmo caminho. A vontade popular acima de qualquer autoridade e a luta de classes como temática a ser difundida e debatida em todos os ambientes sociais são as diretrizes do discurso no filme. As manifestações de Long sobre o objetivo do ensino ser uma ferramenta de libertação e manutenção da ditadura do proletariado ao invés de um ovo da serpente do individualismo fazem desse filme uma grande obra para se analisar o momento da Revolução Cultural e o lugar da arte nesse empreendimento político de Mao. 

Embora com pouco conteúdo acerca da obra e uma cópia de baixa qualidade disponível, o filme pode ser acessado no YouTube com legendas em inglês. Por fim, é importante salientar que naquela universidade gestava-se um modelo educacional distinto dos passados. Após assistir e escrever sobre o filme, me peguei refletindo sobre a minha formação acadêmica e os fins que dou a ela, afinal, como disse o diretor Long sobre os alunos, "depois que tiraram as sandálias de palha e calçaram os sapatos de couro, nunca mais voltaram".




Texto: Wellinton Almeida

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