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Princesa Leia: o feminismo e seu legado na cultura pop


Alguns anos atrás, o então diretor de Star Wars  O Despertar da Força, J. J. Abrams, fez um infeliz comentário sobre o passado da franquia, deixando, a partir dele, tanto a fãs quanto a personagens de fora da história de sucesso dos filmes da saga até aquela data. "Star Wars sempre foi uma coisa de meninos e um filme que os pais levam seus filhos para assistir", disse Abrams.

Aquilo me intrigou na época, já que eu mesmo havia visto diversas amigas discorrerem sobre as tramas e personagens de forma muito melhor do que eu. Infelizmente, para alguns, esse comentário foi visto de forma positiva, e até mesmo aplaudido. Nas redes sociais, vi outras pessoas compartilharem reações semelhantes à do diretor, às vezes até mais duras. Por um tempo, Star Wars passou a ser visto pelo público como um clube masculino, visão esta que, por diversas vezes, foi reforçada pela própria Lucasfilm e seus licenciados. No entanto, para aqueles que acompanharam a trajetória da franquia desde o início, a perspectiva de Abrams simplesmente não era uma realidade.

O filme assistido por muitos na infância, e que naquela época era conhecido como Guerra nas Estrelas, apresentou ao público a jovem Princesa Leia (Carrie Fisher), cujo principal arco narrativo era entregar os planos roubados da Estrela da Morte à Aliança Rebelde. Em meio aos acontecimentos do longa, Leia atirava em Stormtroopers, garantia que seus dróides escapassem com os dados secretos e se sacrificava ao ser capturada por Darth Vader.

Na busca para completar a missão da princesa, os androides R2-D2 e C-3PO encontraram o fazendeiro Luke Skywalker (Mark Hamill) e seus grandes sonhos de escapar de sua vida monótona em Tatooine. Apresentado pelos androides ao mentor Obi-Wan Kenobi, iniciava-se então a jornada do herói de Luke. No final das contas, Luke disparava o laser de forma cirúrgica, como mencionado nos planos conseguidos pela princesa Leia, e finalmente destruía a Estrela da Morte, levando a missão da princesa à conclusão em uma vitória no desfecho do filme. O conto é um duelo de forças: o bem contra o mal, o egoísmo contra a abnegação, o amor contra o ódio.


Os papeis ali apresentados ainda não eram discutidos como são atualmente. Porém, anos depois, assistindo a uma versão já remasterizada com inclusão de novos efeitos, consegui compreender melhor todo o papel heroico da Princesa Leia, além de ter enxergado em Luke algo mais semelhante ao caminho utilizado para o sucesso daquela missão. Claro, Han Solo (Harrison Ford) e Chewbacca se juntaram a ele para tirar a princesa da cela de detenção, mas o papel deles era apenas este, o de ajudar. Se Leia não agarrasse o blaster de Luke e atirasse na direção do compactador de lixo, o resgate sequer teria começado.

Surpreendentemente, na primeira vez que vi o filme, o gênero de Luke nunca me impediu de identificar a sua jornada do herói. Mas, ao analisar o longa com mais maturidade, consegui enxergar Leia como uma mulher intransigente, durona e heroica — tudo isso em uma época em que mulheres fazendo esses papéis eram raras. Isso a elevou a um lugar especial no meu coração de fã. Ela se tornou minha heroína padrão ouro nas histórias daquele ponto em diante.

Basta uma breve pesquisa na internet para conseguirmos afirmar que as mulheres sempre foram fãs de Star Wars. No entanto, nem todas as fãs tinham a princesa Leia como sua personagem favorita. Muitas achavam Darth Vader especialmente atraente. Outras apontavam Han Solo como seu preferido, visto que o personagem atraía mulheres à procura de um bad boy ao estilo de James Dean.

Outro ponto interessante sobre a participação das mulheres no universo Star Wars é que nos primeiros anos, eram elas que dirigiam o Fã Clube Oficial da saga, bem como, a maioria dos fanzines e publicações que reuniam e mantinham o contato de interessados ​​entre os filmes. Uma dessas revistas, na época, chegou a publicar um artigo lamentando a falta de fãs do sexo masculino nos círculos do fandom.

Quando Abrams disse que a franquia "sempre foi coisa de meninos", ele falou com sua percepção, não com a verdade. Seis dos oito membros do Story Group contratados por Kathleen Kennedy para guiar o futuro de Star Wars eram mulheres, e muitas delas falaram abertamente que eram fãs da franquia desde o seu início.


Vemos aqui que a atitude de Abrams foi tentar repetir o mecanismo defensivo utilizado nos idos anos 1980, quando a cultura pop entrou em uma era de reação contra a onda feminista dos anos 1970, que havia anunciado a chegada da Princesa Leia no cinema e da Mulher-Maravilha na televisão. Parte desse mecanismo usou do marketing para tentar diminuir o protagonismo das mulheres na franquia. Naquela época, as camisetas de Star Wars eram feitas com ferro de passar, mas isso mudou lentamente até que as camisetas produzidas em massa fossem exibidas apenas na seção masculina das lojas. Vestuário é a linguagem implícita do fandom. Se você não pode usar uma camisa, não pode declarar sua filiação às massas, declarar que ama e fazer parte daquele grupo.

Então O Retorno do Jedi aconteceu. Embora a história permita que a princesa Leia mate o Hutt que a colocou em posição de objeto usando um biquíni dourado, não há dúvida de que Carrie Fisher foi colocada naquela roupa buscando a sexualização da personagem.

A vontade da franquia de explorar o traje de escrava de Leia e, mais tarde, o traje de Padmé Amidala (Natalie Portman) em seu marketing — nenhum dos quais simbolizando quem foram esses ícones feministas como personagens —, colocou Star Wars novamente em descompasso com o ressurgimento feminista dos últimos anos. Essa atitude acabava, de certa forma, rendendo frutos, já que nos círculos da cultura pop, Leia e Padmé não apareciam em conversas sobre as maiores personagens femininas do gênero do entretenimento.

Até que ensaiaram uma retomada das heroínas de Star Wars com a chegada de Ameaça Fantasma. George Lucas começou a história de Padmé de forma bem digna. Ela e as servas eram personagens duronas e decididas, bem ao estilo da princesa Leia no primeiro filme. Com a batalha que devolveu o trono de Naboo à Padmé, ficou provado que criar personagens femininas icônicas sempre foi um dos pontos fortes de Star Wars.

Entretanto, a franquia não foi tão justa com a protagonista Leia no quesito de reconhecê-la como pioneira da luta feminina nas telas, como ela de fato o foi. Quando Star Wars  Uma Nova Esperança chegou aos cinemas, em 1977, não era comum ver uma mulher tirar a arma de um homem e defender a si e a seus companheiros. Naquele tempo, independente do gênero e época em que os filmes se passassem, as mulheres eram tratadas como um complemento dos homens, passivas e incapazes de se proteger ou realizar grandes feitos sozinhas.

Leia integrava o trio de protagonistas, sendo a única mulher. Sua atuação revolucionária definiu uma nova roupagem para “princesa” e inspirou força e confiança a uma legião de meninas (e meninos) no mundo todo. Ela ensinou a não abaixar a cabeça, a se rebelar. E este legado de Fisher se perpetuará nas próximas gerações, assim como a sua influência na indústria cinematográfica.

Graças a Princesa Leia, hoje as mulheres dominam a franquia Star Wars. Rey, de O Despertar da Força (2015), e Jyn, do spin-off Rogue One (2016), são herdeiras da personagem vivida por Fisher. O que as três têm em comum? São fortes, decididas e não precisam de um homem para resgatá-las.

Seja Princesa ou General, Leia Organa mostra que o lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na luta contra o Império. O mundo ainda chora sua perda. Sentiremos sua falta, Carrie.



Texto: Allan Vagner
Imagem de destaque: Mia Sodré
Allan Azevedo
Carioca, morando na Serra Gaúcha. Fã incondicional de livros, filmes e quadrinhos. Nas horas vagas gosta de escrever contos de horror e fazer resenhas do que assiste e lê.

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