Sombras e Fadas é um livro publicado pelo escritor brasileiro Tiago Cordeiro, através da Drops Editora, em que algumas fábulas clássicas são reimaginadas e, dessa forma, reescritas sob a ótica de seu autor. Entre as histórias recontadas estão João e Maria, A Pequena Sereia, Chapeuzinho Vermelho, João e o Pé de Feijão, entre outras, todas com seus títulos remodelados para que exista uma conversa entre os personagens e a adaptação de suas histórias — adaptação esta que, em algumas das fábulas, vestiu uma roupagem já muito conhecida por nós em algumas narrativas ficcionais: o uso da cultura do estupro como um meio de alteração chocante do enredo.
Por ora, pode argumentar-se que as narrativas se passam em momentos muito diferentes dos atuais, em que a organização da sociedade e o poder do mais forte eram estruturados de forma a tornar frequente o ato do estupro. No entanto, mesmo quando se adapta um enredo para lá de centenário, tendo-se o conhecimento que se têm hoje em dia e as mil outras formas de se contar uma história, faz-se sim possível repensar a real necessidade de incluir o acontecimento em ficções como forma de demonstrar uma vida miserável para os personagens criados por outras pessoas. Entre tantos tipos de sofrimento humano, porque a violência contra a mulher é sempre a mais utilizada?
Essa indagação faz-se ainda mais forte quando se nota que não são todas as fábulas (ainda bem?) em que a personagem sofre com tal ato violento. No caso de João e Maria, por exemplo, o passado tenebroso é originado da negligência paterna após a morte da mãe, e o ato que possui a função de chocar o leitor é a morte da bruxa da floresta em uma ação de cooperação protetiva entre os irmãos. Para A Pequena Sereia, continua sendo a "punição" de escolher entre o seu amor humano e sua vida no mar. Porém, quando o sofrimento é relacionado à ideia de fragilidade feminina, como são os casos de Chapeuzinho Vermelho e A Branca de Neve, o autor sentiu que era necessário inserir a violência sexual, um destes contos se iniciando até mesmo com a frase horrenda que reforça ainda mais o absurdo da coisa, "Ajoelhou tem que rezar".
Referências
- CAMPOS, A. A. A cultura do estupro como método perverso de controle nas sociedades patriarcais. Revista Espaço Acadêmico, v. 16, n. 183, p. 01-13, 5 ago. 2016.
- Estupro na ficção e os escritores preguiçosos. Lady Sybylla. Momentum Saga.
Texto e imagem de destaque: Tati Ferrari
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