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Fantômas e The Director's Cut: clássicos de vanguarda


Certa vez, tarde da noite ouvindo clássicos do rock no Spotify, acabei chegando num baú de referências do cinema. Clássicos que já conhecia e assisti nos últimos anos, e um monte de outros menos conhecidos "a olho nu", mas tão importantes quanto, e que já estão na minha lista do terror, drama e suspense. Adoro quando música e outras artes se encontram, e justamente por essa paixão cruzei meu caminho com o Querido Clássico.

O achado da fatídica noite foi Fantômas, um dos diversos projetos artísticos de Mike Patton, o "senhor das mil vozes", mais conhecido como vocalista da banda Faith no More. Fantômas é um supergrupo de metal norte-americano, que ainda tem como integrantes Buzz Osborne (vocalista e guitarrista da Melvins), Trevor Dunn (baixista de Mr. Bungle e Tomahawk, ambas com Patton) e Dave Lombardo (ex-baterista do Slayer).

A banda é cheia de referências que são tecidas feito teia, e não é somente devido à quantidade de história e metal por trás de cada integrante. O próprio nome do projeto é uma alusão a um personagem de novelas policiais francesas da década de 1910.

Fantômas: capa do primeiro romance por Gino Starace, 1911
"Fantômas."
"What did you say?"
"I said: Fantômas."
"And what does that mean?"
"Nothing.... Everything!"
"But what is it?"
"Nobody.... And yet, yes, it is somebody!"
"And what does the somebody do?"
"Spreads terror!"

"Fantômas."
"O que você disse?"
"Eu disse: Fantômas".
"E o que isso significa?"
"Nada... Tudo!"
"Mas o que é isso?"
"Ninguém... E ainda, sim, é alguém!"
"E o que esse alguém faz?"
"Espalha terror!"
Assim é anunciado o personagem para o mundo em 1911. Fantômas, o gênio do mal, senhor dos mil disfarces, foi um criminoso psicopata criado pelos escritores franceses Marcel Allain e Pierre Souvestre, que rendeu 32 volumes de romances policiais. Chegando às cinco milhões de cópias, foi sucesso instantâneo pela venda de volumes mensais e de baixo custo (65 centavos, acessível para a classe trabalhadora francesa), fazendo parte, portanto, das primeiras pulp fictions.

O diferencial do gênio do mal estava em seus atributos de crime e fuga, por isso é dito como "qualquer um, todos, ninguém". Até seu arqui-inimigo policial, Inspetor Juve, é suspeito de ser Fantômas, que se disfarça com máscaras e capuzes e já chegou a fantasiar uma das vítimas para ser guilhotinada em seu lugar.

Fantômas ainda apareceu nos cinemas, tendo cinco filmes produzidos entre 1913 e 1914, ano que estourou a Primeira Guerra Mundial. Além desses, houve filmagens para cinema e televisão no pós-guerra e também adaptação para quadrinhos no México. Influenciou artistas da vanguarda francesa e surrealismo, como René Magritte e Jean Cocteau, que incorporaram características do personagem em suas obras.

Falando em vanguarda, no primeiro capítulo do volume de estreia há um diálogo interessantíssimo entre personagens que parece um prelúdio da terrível realidade que estava por vir: um deles comenta como os criminosos estão ficando tão mais complexos que um dia até utilizariam de novas tecnologias para espalhar o mal, como os novíssimos aeroplanos (o avião foi inventado em 1906 pelo mineiro Santos Dumont, o texto escrito em 1911 e, apenas três anos depois, o avião de fato foi utilizado na Primeira Grande Guerra).
"Criminals who operate in the grand manner have all sorts of things at their disposal nowadays. Science has done much for modern progress, but unfortunately it can be of invaluable assistance to criminals at times; the hosts of evil have the telegraph and the motor-car at their disposal just as authority has, and some day they will make use of the aeroplane."                                                                 Fantômas: The Genius of Crime. 
Fantômas (aqui, já refiro-me à banda) possui quatro discos de estúdio, lançados entre 1999 e 2005, mais dois ao vivo e alguns materiais soltos. É classificada como metal alternativo, avant-garde e experimental, subgêneros do heavy metal.

Fantômas: The Director's cut, 2001

"This is not a "metal" album, not even remotely. It's so much more." N. Gotherington

Talvez o mais famoso seja o segundo álbum de estúdio, The Director’s Cut, lançado em julho de 2001, com versão ao vivo de 2011. Cheio de referências e mudanças bruscas de voz e gêneros musicais, o disco é, no mínimo, surpreendente: Patton, "o senhor das mil vozes", vai de uma cantiga de ninar em Rosemary’s Baby a um gutural ininteligível em The Godfather, assim como a banda une trash metal, jazz, música eletrônica e canto gregoriano. 

A temática? Horror (com pitadas de sarcasmo e sensualidade — com direito a beijo estalado em Investigation of a Citizen Above Suspicion, de trilha original de Ennio Morricone). É um disco elegante e ousado que homenageia quinze obras do cinema e televisão lançadas entre as décadas de 1910 e 1990 (se não contarmos os remakes e continuações), a maioria clássicos do terror, suspense, crime e humor ácido. 

O disco não é apenas uma seleção de covers de temas que constituem trilhas sonoras desses filmes; os artistas criaram peças inovadoras com base em clássicos do século anterior, trazendo muitas das sensações, frases, versos, aberturas  e o inesquecível hino satânico composto em canto gregoriano por Jerry Goldsmith para A Profecia (The Omen) — não só cantados, mas atuados por Patton.

"Cada uma das interpretações de Fantômas é, ironicamente, uma versão original de tirar o fôlego de um velho clássico." — Harrison Mains
Entre os filmes mais conhecidos: O Poderoso Chefão (The Godfather), Cabo do Medo (Cape Fear), O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby), e meu favorito, A Profecia (The Omen). Mas há ainda os clássicos dos clássicos, obras como As Bodas de Satã (The Devil Rides Out), Spider Baby e O Golem, Como Ele Veio ao Mundo (Der Golem), importantes referências na linha do tempo do gênero que deixaram seu legado em obras posteriores.

Tracklist / Lista de filmes:

  1. The Godfather (Francis Ford Coppola, 1972)
  2. Der Golem (Paul Wegener, 1920)
  3. Experiment in Terror (Blake Edwards, 1962)
  4. One Step Beyond (John Newland, 1959-1961)
  5. Night of the Hunter (Charles Laughton, 1955)
  6. Cape Fear (J. Lee Thompson, 1962)
  7. Rosemary's Baby (Roman Polanski, 1968)
  8. The Devil Rides Out (Terence Fisher, 1968)
  9. Spider Baby (Jack Hill, 1968)
  10. The Omen (Richard Donner, 1976)
  11. Henry: Portrait of a Serial Killer (John McNaughton, 1986)
  12. Vendetta (Brian Degas; Tudor Gates, 1966-1968)
  13. Untitled (autoral)
  14. Investigation of a Citizen Above Suspicion (Elio Petri, 1970)
  15. Twin Peaks: Fire Walk With Me (David Lynch, 1992)
  16. Charade (Stanley Donen, 1963)


Texto: Helen Araújo 
Imagem de destaque: Mia Sodré 
Helen Araújo
Filha de paraibanos nascida en São Paulo em 1992. Historiadora e artesã com espírito setentista, escreve sobre tudo, especialmente música, símbolos, mitos e migrações. Quando não escreve no Querido Clássico e Um Velho Mundo, fabrica onde escrever: cadernos no Estúdio São Jerônimo.

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