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A Maldição de Frankenstein: o horror do conhecimento


O estúdio Hammer possui uma história interessante. Tendo sido um grande sucesso do cinema britânico, especialmente no horror, em meados da década de 1970 fechou as portas para só reabri-las na década retrasada. E, embora uma das grandes referências - talvez a maior - do horror clássico cinematográfico seja a Universal, os filmes da Hammer possuem um espaço garantido nessa trajetória, tanto pela qualidade de suas produções que se destacam, principalmente, pelo uso das cores e da atmosfera gótica, quanto por não terem medo de ousar e criar novas narrativas a partir de histórias já muito conhecidas. É esse seu trunfo em A Maldição de Frankenstein (The Curse of Frankenstein, no original), de 1957. 

Com A Maldição de Frankenstein, os filmes de terror ganharam um novo fôlego, perdido com a Segunda Guerra Mundial e os medos da população, que voltavam-se mais para aspectos sociais, como invasão e política (não à toa, há uma boa produção de ficção científica na época) do que para os clássicos e sobrenaturais. A história de Frankenstein combina o horror gótico com a ficção científica e, talvez por isso, tenha sido a escolhida para inaugurar essa nova era na Hammer, que decidiu fazer novas versões dos clássicos da Universal. 

Geralmente, as histórias contadas a partir de Frankenstein, livro escrito por Mary Shelley em 1818, possuem foco nos problemas causados pela displicência de Victor Frankenstein para com sua Criatura. Algumas decidem tornar o enredo quase completamente centrado na Criatura e em seus dilemas. Mas são poucas - quase nenhuma - as que nos mostram o drama de Victor, um homem tão obcecado pelo conhecimento que tornou-se cruel, perdendo completamente a noção de limites éticos. 

A Maldição de Frankenstein é uma espécie de cinebiografia de Victor Frankenstein, desde a adolescência, quando perdeu a mãe e tornou-se o único proprietário de toda a riqueza da família, até seu momento final, já condenado por seus crimes. O filme toma uma liberdade criativa bem extensa dentro da ficção de Mary Shelley, mas é uma que vale a pena: trata-se de um drama nos moldes do livro, porém, com mais ação e suspense, sem toda a melancolia da Criatura. Aqui, ela só existe para causar horror em quem a enxerga - ainda que o verdadeiro horror deva ser causado pela ambição de Victor. 

De um jovem arrogante e mimado, Victor Frankenstein (Peter Cushing) torna-se um homem obstinado. Barão, órfão e, com a ajuda de um tutor, Paul Krempe (Robert Urquhart), cientista, dedica sua fortuna e tempo a estudos científicos. Após as apresentações iniciais, vemos um Victor já mais velho, em seu laboratório, junto de Paul, onde fazem experiências. A princípio, é possível pensar que já veremos a Criatura ganhar vida, mas não é o que acontece: eles descobriram uma maneira de trazer os mortos à vida. Reanimando um cachorro, ambos chegam à conclusão de que possuem a fórmula para a imortalidade. Mas, enquanto Paul está animado e pretende tornar pública a descoberta científica, Victor o impede, afirmando que isso não é o bastante. 

"Não é mais o suficiente trazer os mortos à vida. Devemos criá-la do início."
Paul tenta embarcar na ideia do pupilo e amigo, mas tal desejo torna-se impossível à medida que Victor passa a roubar sepulturas, coletar órgãos no necrotério e até mesmo a matar um cientista para poder usar seu cérebro no homem que está criando. Tudo isso nos é mostrado em detalhes, com cenas que beiram o gore, ainda que de uma forma bem leve, adequada para a época. Mas elas causam espanto por não esconderem os detalhes sangrentos e criminosos da ambição de Frankenstein, um homem que não mede consequências para obter o que deseja. E o que ele mais deseja é o conhecimento. 

Ao olharmos o título do filme - que foi traduzido de forma literal -, A Maldição de Frankenstein, podemos pensar que é a Criatura quem o amaldiçoa, trazendo morte e destruição à vida do cientista. Mas não. É Victor o problema. Por onde ele passa, há um rastro de morte. Ele não poupa ninguém e não se compadece nem mesmo das pessoas mais próximas a ele. Sua ambição pelo conhecimento e por atingir a alcunha de Criador infla sua arrogância e crueldade, características que já lhe pertenciam desde criança. 

Quando, na maioria das adaptações, Victor Frankenstein é interpretado como um homem incompreendido, um cientista à frente de seu tempo, que só tentara trazer luz à humanidade, aqui temos um Frankenstein completamente egocêntrico, que mente e manipula inescrupulosamente para conseguir o que quer. Qualquer pessoa que estiver em seu caminho é tida como um empecilho fácil de ser removido. Justine (Valerie Gaunt), sua empregada e amante, é assassinada pela Criatura, a mando de Victor, por estar grávida e ameaçar revelar seus experimentos secretos à polícia caso ele não cumpra com a promessa de casar-se. Até mesmo sua prima e noiva, Elizabeth (Hazel Court), que passa quase incólume no filme, é vista por Victor como alguém a quem ele pode usar na construção de futuras Criaturas. Em certo momento, quando ela pergunta se algum dia poderia ser útil para ele em seu trabalho, a resposta que ele dá é um arrepiante "Quem sabe, minha querida? Talvez você possa... um dia"

A abordagem faz sentido e nos revela um outro tipo de horror: aquele causado pelo conhecimento. Não pelo conhecer, mas pelo desejo sem fim de aprofundar-se em um objeto de pesquisa, de ser o melhor, de ganhar notoriedade. É um tema universal, que aplica-se a diversas situações. E, ainda que Frankenstein possua debates para além disso, encontramos na obra de Mary Shelley o mesmo questionamento: até que ponto vale a pena ir atrás daquilo que queremos saber? 

O Victor de A Maldição de Frankenstein não quis ouvir aos apelos de seu amigo e tutor, Paul, colocando a si mesmo e aos outros em risco com a sua Criatura (Christopher Lee). Seu destino é a punição da morte, ao contrário de tantos outros Victors da ficção. Nesse filme, ele é mostrado como vilão desde o início e, de forma a acompanhar a moral dos anos 1950, paga por seus crimes - mas não antes de sofrer aquilo que mais o fere: saber que ninguém acredita na capacidade de seu conhecimento e o tomam por um lunático. 

Existe, claro, um elemento moral que perpassa o filme, como se fosse uma lição ao final da fábula. Mas ele não tira o mérito da obra, que inovou em tantos sentidos e colocou no mundo uma visão mais acurada, de acordo com o livro de Mary Shelley, da personalidade de Victor. Não é à toa que ela, que viveu entre tantos intelectuais, escrevesse um personagem tão absorvido em si mesmo e em sua pesquisa que ignorou completamente o resultado de suas ações. Frankenstein pode ser lido de diversas maneiras, mas a culpa de Victor sempre está latente, a culpa de um homem que preferiu o conhecimento sem escrúpulos ao bem-estar das pessoas ao seu redor. 




Texto e imagem em destaque: Mia Sodré 
Mia Sodré
Mestranda em Estudos Literários pela UFRGS, pesquisando Apolo, Dioniso e a recepção dos clássicos em O Morro dos Ventos Uivantes. Escritora, jornalista, editora e leitora crítica, quando não está lendo, escreve sobre clássicos. Vive em Porto Alegre e faz amizade com todo animal que encontra.

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