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O amor de Vita e Virginia


O amor é a maior inspiração do poeta, este que em versos se ressalta nas entrelinhas das palavras que representam a manifestação desse afeto. Virginia Woolf, que tampouco media suas palavras, fora mais uma dentre tantos nomes que tivera suas paixões secretas. Orlando (1928), uma das obras da escritora, é descrita também como “a carta de amor mais longa e charmosa da literatura”. Primordialmente, sua escrita apresenta indícios de um fluxo de consciência, sendo um detalhe que destaca e verbaliza a intensidade de suas palavras e sua humanidade. Esses traços de sua grandiosa existência podem ser vistos além de sua escrita, quando se percebe que Woolf também era pioneira no movimento feminista e não fugia da sua existência política.

Vita Sackville-West era poetisa e também a quem foram destinadas as inúmeras cartas que Virginia escrevia. Em seus pensamentos e escritos, Vita ocupou espaço na vida da escritora, tornando-se musa da obra de Virginia. Vasta era a admiração que West nutria pela genialidade da mente de Virginia, o que mostrava que a paixão sentida pela escritora era gradualmente enfatizada por belos elogios. A exemplo disso, Vita escreve ao marido: “Eu simplesmente adoro Virginia Woolf, e você também adoraria. Você ficaria completamente vazio diante do charme e da personalidade dela”.

A década de 1920 é marcada por diversas características, e é neste mesmo período em que ambas as escritoras protagonizam o tal romance. Tal época se diversifica por conta da participação de boêmios, progressistas e rebeldes que persistiam em lutas por suas existências. Neste mesmo momento, surge o Grupo Bloomsbury, formado por amantes e escritores, além de artistas e intelectuais. Fora neste mesmo espaço de arte que nasceu tal história de amor que se conhece até os dias atuais. Virginia Woolf era casada com o progressista Leonard Sidney Woolf, conhecido por ser um teórico político, autor e editor britânico, enquanto Vita Sackville West era casada com o diplomata Harold Nicholson

Ainda que ambas estivessem em seus laços de casamento, Leonard não se opôs ao relacionamento que ambas tiveram, além de que Harold também tinha ciência dos casos que Vita tivera com outras mulheres. Inclusive, um desses casos fora exposto, já que ela havia fugido para a Europa com sua amante, Violet Trefusis, precisando voltar para a Inglaterra após dois anos para estar junto de sua família, que poderia ser tirada de si. Vita exalava charme e confiança ao olhar das demais pessoas que a observavam, e seu casamento progressista com Harold chamava atenção da sociedade pelo comportamento e as opiniões que ambos tinham sobre casamentos. Tudo isso se apresentava de forma visível, pois, para ambos, o matrimônio não deveria ser algo que os prendesse em uma gaiola, mas sim que fosse outra experiência de liberdade. Percebe-se que ambos tiveram seus casos amorosos, sem que vivessem presos um ao outro, mas, ainda assim, sempre retornavam a estar juntos, priorizando a amizade e o companheirismo.

Virginia Woolf
A liberdade de Vita era algo pouco alcançável aos olhos de Woolf, ainda que se sentisse amada. O fascínio que ambas sentiam pela outra não encobria a dor que também causaram, tais como as traições de West, além de atitudes que causavam certa insegurança em Virginia. E é desta mesma forma que Vita toma forma masculina na obra de Virginia, Orlando. Percebe-se que as semelhanças existentes ocorrem pelo fato de o livro ser visto como uma semi-biografia, captando detalhes que na perspectiva de Woolf são traços de Vita. O personagem da obra sofre uma metamorfose, na qual ora é homem, ora é mulher, o que logo ocasiona inúmeras reflexões ao próprio protagonista, colocando-o na posição de entender e se ver nas relações de tudo que lhe era permitido e negado, simultaneamente.

O romance semi-biográfico é baseado em parte na vida da amante de Woolf, e é geralmente considerado um dos romances mais acessíveis da escritora. Tratando-se de um encontro entre consciência e literatura, Woolf evidencia criatividade e genialidade na construção do enredo. Além disso, a obra conta com desconstrução de gênero, sendo vista como uma carta de amor na qual Virginia de certa forma consola West, narrando de maneira formal e indireta como a sua musa inspiradora se sentia em meio aos conceitos da época.

"Nascido no seio de uma família de boa posição em plena Inglaterra elisabetana, Orlando acorda com um corpo feminino durante uma viagem à Turquia. Como é dotado de imortalidade, sua trajetória então atravessa mais de três séculos, ultrapassando as fronteiras físicas e emocionais entre os gêneros masculino e feminino. Suas ambiguidades, temores, esperanças, reflexões — tudo é observado com inteligência e sensibilidade nesta narrativa que, publicada originalmente em 1928, permanece como uma das mais fecundas discussões sobre a sexualidade humana."

Em forma mais contemporânea, a história de amor entre ambas escritoras fora abordada no filme Vita & Virginia, de 2018. No longa, Elizabeth Debicki interpreta Woolf, e Gemma Arterton vive Vita. De forma poética e delicada, o filme apresenta o relacionamento que durou cerca de uma década, construído ao redor de cartas e diários que ambas tinham mantidos. Ainda que esse período tenha sido atormentado pelos preconceitos que cercavam grande parte das mulheres e os relacionamentos homossexuais, as escritoras estiveram juntas por cinco anos em uma relação amorosa e mais quinze de amizade, que perdurou até os últimos dias de Virginia. Apesar das diferentes características de personalidade, não houve obstáculos que as impedissem de se apaixonarem, por mais que Woolf não abrisse espaços para qualquer pessoa entrar em seu coração, enquanto West tinha asas abertas para voar pelas aventuras da vida.

De forma notória, o roteiro do filme não deixa de fora os detalhes do romance, que estivera cercado por nítida intensidade, mas que também tivera seus momentos de desespero e insegurança. Os olhares que a cercavam viam algo apenas momentâneo, como uma descoberta de uma fase, mas somente as duas autoras sabiam a verdade por trás daquele amor.

"Tenho vivido tanto tempo em você, que agora que a vejo, pergunto-me se você existe ou foi apenas inventada por mim."

Virginia Woolf caminhou para a morte no dia 28 de março de 1941, colocando um punhado de pedras nos bolsos de seu casaco e indo em direção ao Rio Ouse, onde se jogou e se suicidou por afogamento, falecendo aos 59 anos. Essa não era sua primeira tentativa de suicídio, já que lidava com seus traumas passados: "Penso na morte com intensa curiosidade. Poderia ser uma grande emoção, como descer o Niágara. Mas é a única experiência que nunca serei capaz de descrever".

O fim do relacionamento de tamanho amor já estivera escrito em Orlando, quando Woolf escrevera que em muitas versões libertou West das demais restrições, para que assim vivesse em paz, em liberdade; lhe dando o que talvez nunca chegasse a herdar. As vendas de ‘’Orlando’’ superaram todos os outros romances da escritora e mudaram o seu percurso como escritora popular. Após o romance, a amizade que construíram juntas persistiu até a morte de Virginia.

Referências



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Lyriel Damasceno
Amante da arte, cinéfila na maior parte do tempo e leitora assídua nas horas vagas. Aspirante a escritora que transborda na poesia das canções de Taylor Swift e sofre incondicionalmente por Crepúsculo, Antes do Amanhecer e Sociedade dos Poetas Mortos. Suas principais inspirações se fazem presentes nas escritas de Jane Austen, na poesia de Emily Dickinson e na melancolia de Clarice Lispector.

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