Agatha Christie permanece como uma das autoras mais lidas no mundo, mesmo após quase cinquenta anos de sua morte. Muito já foi dito acerca do porquê isso acontece, e não é difícil entender: seus romances são envolventes, mistérios que levam o leitor a sentir-se preso em um labirinto repleto de evidências que não parecem significar grande coisa separadas, mas que reunidas possuem toda a verdade velada. E tudo isso começou com a publicação de O Misterioso Caso de Styles (The Mysterious Affair at Styles, no original), livro de estreia da autora.
Embora Agatha já escrevesse antes de Styles, foi a partir de janeiro de 1921 que ela começou a ser reconhecida como uma autora de mistérios policiais. E foi justamente em seu primeiro livro que um dos detetives mais famosos da literatura, Hercule Poirot, foi criado. Personagem central de diversos livros da escritora, Poirot é um personagem que chama a atenção. Excêntrico, obtuso, muito cavalheiresco e dotado de um raciocínio lógico invejável, nós apenas o enxergamos através das lentes alheias, estupefatas, que, assim como o leitor, não compreendem o que se passa na cabeça do detetive belga.
O Misterioso Caso de Styles possui uma trama repleta de reviravoltas, todas envolvendo a família Cavendish. Após alguns acontecimentos suspeitos, mrs. Inglethorp passa mal durante a madrugada e morre de forma súbita, o que levanta suspeitas. O quarto, com todas as portas aparentemente trancadas, exibe alguns sinais estranhos, mas é difícil saber o que levar em conta no meio daquela confusão. Porém, assim que Hercule Poirot entra em cena, podemos ouvi-lo repetir diversas vezes que tudo deve ser considerado importante numa investigação, mesmo os detalhes mais insignificantes.
Recentemente casada, mrs. Inglethorp é a viúva de Cavendish, homem que deixou dois filhos, John e Lawrence. Os rapazes foram criados pela madrasta como se ela fosse a verdadeira mãe, já que ambos eram muito pequenos quando a perderam. No entanto, o novo casamento - com um homem detestável -, faria com que boa parte da herança passasse para o marido atual, não para os herdeiros originais. Isso causa tensões familiares muito bem exploradas no romance, que nos fazem questionar a tudo e a todos e desconfiar de cada pequeno olhar.
"Você deu rédeas demais à imaginação. A imaginação é boa criada, porém má conselheira. A explicação mais simples é sempre a mais provável."
O clima construído no livro é muito interessante, ainda que seja um pouco diferente de outras obras de Agatha. Dado que esse foi seu primeiro livro no universo da ficção policial, há algo de sobra nele que não existe em outros romances da autora. Mas isso é esperado e certamente não é nada que comprometa a leitura. A única coisa mais enfadonha é a narração de Hastings, amigo de Poirot. Ele também está presente em outros livros e possui uma visão muito arrogante do mundo, tendo-se em alta conta e desprezando até mesmo a Poirot, o que pode ser um pouco irritante. No entanto, não é um problema; um revirar de olhos durante algumas falas de Hastings basta para que o deixemos de lado e mergulhemos novamente na história.
Durante os cem anos de existência de Poirot, os romances de Agatha Christie estabeleceram certos tropos dentro do gênero. Seja na literatura ou no cinema, podemos ver até hoje as marcas que a Dama do Crime deixou na cultura. Uma família em um lugar afastado. Um crime cujas evidências não fazem sentido. Motivações para todos os lados. A grande revelação feita na sala de estar. Tudo isso hoje faz parte do imaginário das histórias de detetive - e o próprio Poirot tornou-se a personificação da figura detetivesca, ao lado de Sherlock Holmes.
Para além disso, o que foi iniciado com O Misterioso Caso de Styles é uma tradição que vai além das histórias fictícias. O interesse pelo true crime, hoje tão em voga, é uma das heranças deixadas por Agatha, como explica a historiadora Lucy Worsley em A Very British Murder. A tradição do fascínio que um assassinato pode causar, seja ele na ficção ou na vida real, foi alimentada pelos romances de Agatha Christie, que colocam o leitor no emocionante centro da investigação, o fazendo questionar qual seria sua reação caso ele fosse o detetive. É o tipo de coisa que nos prende à leitura, especialmente quando o livro em questão não apenas instiga esse aspecto, como também possui outros méritos. Não é à toa que Agatha Christie continua sendo best-seller.
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