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Revisitando Florbela Espanca


Desde que entrei no Leia Mulheres tenho conhecido diversas escritoras que eu deveria ter conhecido na época da escola: Júlia Lopes de Almeida, Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus, entre outras. Nunca li uma linha sobre elas nos livros didáticos. Com a Florbela Espanca foi um pouco diferente. O nome dela tinha sido brevemente citado ao lado do de Fernando Pessoa e Mario de Sá-Carneiro. Nenhum poema dela, nada sobre sua biografia. Fui para a biblioteca da escola atrás de mais coisas dela, e não achei quase nada. 

Pensem que na minha adolescência eu não tinha computador e internet disponíveis, então era bem difícil fazer pesquisas. Após visitas a sebos e livrarias, consegui comprar um livro pocket com alguns de seus poemas reunidos. Até ali, minhas referências de poesia eram sempre masculinas, como os dois portugueses acima citados e, claro, Augusto dos Anjos e Álvares de Azevedo, os preferidos da jovem gótica que eu era. 

Florbela Espanca nasceu no dia 8 de dezembro de 1894, e cometeu o suicídio exatamente em seu aniversário, 8 de dezembro de 1930. Ela deixou cinco livros de poesia, quatro de prosa, além de diversas coletâneas e livros de cartas. 

Encontrei na Florbela uma voz que eu buscava, não o de musa inspiradora, nem de uma vida repleta de boemia e amores passageiros. A poeta descrevia em cada verso seu amor platônico por homens inalcançáveis, se punha num papel de sofredora e passivamente esperava pelo amor deles. Foi graças a ela que me interessei pela poesia feita por mulheres, mais próxima da minha realidade. 

Estava há muitos anos sem ler nada dela, até que a Editora Oficina Raquel me enviou uma coletânea dela chamada Poemas e Contos, organizada por Raquel Menezes, que inaugura a coleção Mulheres de todos os tempos. Foi maravilhoso revisitar seus poemas e conhecer os contos. 

Os contos são muito bons, e o meu preferido foi A Morta que, como sugere o nome, narra a história de uma jovem que levanta de seu túmulo e começa a vagar pelo cemitério. 

Relendo sua poesia, me dei conta de que minhas ideias referentes a amor e sentimentos mudaram radicalmente. Ainda enxergo beleza em cada um de seus sonetos, mas não me identifico mais com esse sentimento etéreo e submisso. Em seus versos o amor é forte, exacerbado, a arrebata, ela não consegue viver sem ele. Algo típico da época, talvez, pensando nas jovens que morriam de amor no Romantismo. 

Deixo abaixo dois poemas que ainda amo: 

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!


Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver !
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida !

Não vejo nada assim enlouquecida ...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida !

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim !

E, olhos postos em ti, digo de rastros :
"Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus : Princípio e Fim ! ..."
 

Uma curiosidade: o poema Fanatismo foi musicado por Fagner

Acho sempre interessante revisitar obras de escritores que foram tão importantes para a minha formação como leitora, mesmo que não os admire mais da mesma forma; é uma sensação muito bacana. Dá medo de reler algumas coisas e detestar, mas creio que faça parte da vida do leitor. Florbela Espanca não teve mais o mesmo impacto, mas consegui admirá-la ainda mais. 


Texto: Michelle Henriques 
Arte em destaque: Mia Sodré 

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